PNF - Capítulo 35

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[Miguel]

Batuquei incessantemente os dedos no volante ao ritmo da musica, disfarçando minha ansiedade mascando um chiclete que encontrei perdido no carro e checando mais uma vez se estava mesmo no horário combinado. Estava pontual sim, nem um minuto adiantado! Mas, olhando para o outro lado da rua parcialmente deserta, ainda nem sinal do Rodrigo aparecer ou dar qualquer sinal de vida que fosse. Sinceramente? Eu não sabia o porquê de ainda concordar com as suas maluquices, eram quase duas da manhã, pelo amor de Deus!

O que eu estava fazendo ali? A ideia de que eu parecia um criminoso andando nas madrugadas escondido não saía da minha cabeça e, por mais que nós já tivéssemos discutido isso há dias atrás, eu me recusava a pensar de outra forma. Nos últimos dias esses encontros já tinham praticamente se tornado rotina, algo que eu demorei um pouco pra aceitar, mas visto que esse era o único horário que poderíamos nos ver devido à correria e sem que ninguém nos visse, eu acabei por aceitar. Neguei com a cabeça, sabendo que quase tudo que ele me argumentasse, com aquele ar insistente e persuasivo dele, de uma forma ou outra, eu ia acabar sendo vencido por seus milhares de argumentos convincentes e seu rosto pidão. Eu estava completamente ferrado e isso já não era mais novidade, não depois de aceitar que tinha sentimentos por ele.

Esperei por mais alguns minutos e como nada mudou, tomei a inciativa de buscar o celular no bolso pra lhe mandar uma mensagem cobrando noticias ou até mesmo avisando que eu iria embora, pois eu realmente não iria ficar a noite toda ali esperando sua boa vontade. Mas, no momento em que ia fazer isso, fui interrompido com a porta do passageiro se abrindo e um cheiro de comida adentrar muito antes dele no carro.

—Oi cremoso.

Ele sorria de orelha a orelha, se acomodando no banco e olhando pra mim de um jeito... apaixonante?

—Oi... oi. – Por que pra ele era tão mais fácil me chamar de apelidos ridículos e eu sequer conseguia? – Demorou... – Comentei carrancudo, desviando intencionalmente quando ele se curvou até a mim e tentou me beijar.

—Uma cozinha não é uma ciência exata. – Deu de ombros. – Às vezes um cliente pede mais alguma sobremesa, às vezes aparece panela do fundo do poço pra lavar, enfim, acabei demorando mais do que eu falei que ia. Acontece.

Finalizou ainda sorridente, como se não se importasse com minha chateação, e usando o dedo pra fazer com que meu queixo virasse em sua direção para olhá-lo. Logo minha carranca se desfez e comecei a sorrir junto com ele e o deixei se aproximar para selar nossos lábios suavemente. De perto seu cheiro de temperos e comida era ainda mais forte, mas estranhamente, de forma bem estranha confesso, eu gostava disso. Era melhor que qualquer outro cheiro.

Nos separamos lentamente, abri os olhos só pra ter certeza de que o encontraria já me olhando como todas as outras vezes e sorri por isso, voltando a beijá-lo rapidamente antes de me afastar completamente.

—Tudo bem. Para ond... – Comecei, mas logo fui obrigado a parar porque, enquanto dava a partida no carro, vi de longe uma figura parada olhando em nossa direção. Era a mesma figura da outra vez que vim buscá-lo, eu tinha certeza, não tinha como esquecer aquele cara que não tinha uma expressão tão boa. – Rodi, olha... ele tá olhando pra cá de novo.

—É...

—Isso não pode ser só coincidência.

—Não...

Nesse instante desliguei o motor do carro e o encarei descrente, ele estava muito quieto sobre o assunto, quieto demais, como se soubesse de algo ou tivesse o rabo preso. A menos que...

—Você já ficou com ele? – Perguntei casualmente.

Silêncio.

—A lua tá tão bonita, queria poder virar um lobisomem.

Por Nossos FilhosOnde histórias criam vida. Descubra agora