PNF - Capítulo 44

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[Miguel Sobral Aguilar – São Paulo/BR]

—E então... fo-foi isso.

Eu nunca gaguejei tanto para explicar algo pra minha filha, nem quando ela me perguntou de onde vinham os bebês. E, agora, eu podia jurar que naquela época ela não tinha feito uma cara tão emblemática como naquele momento.

Na sala o silencio se instaurou e eu podia ouvir o barulho dos neurônios queimando com as informações recebidas. Eu tinha falado por pelo menos uns dez minutos e em nenhum momento fui interrompido pela Clara, ou pelo Yuri, que permaneceram quietos não sei se por respeito ou chocados com tudo que eu havia lhes contato e da forma como aconteceu.

A volta ao Brasil que estava prevista e precisava acontecer – já que o Rodrigo não poderia ficar mais – aconteceu na madrugada da noite passada, dois dias após nosso casamento, e, assim como planejado, nós conseguimos nos reunir com nossos filhos hoje logo pela tardezinha. Com nosso retorno vieram as responsabilidades e... acho que as satisfações também, era algo que precisávamos fazer e era por isso que estávamos ali. Bom, nesse caso somente eu, porque o Rodrigo tinha sumido durante um tempo, me deixando contar sozinho e só estava aparecendo agora.

Deu a volta por trás do acento do sofá, com um enorme sorriso no rosto e se sentou ao meu lado, mas logo fechou a cara ao ver um copo e cima da mesinha que seu filho bebia.

—As tartarugas estão morrendo imbecil, para de usar canudo. – Chutou sua canela com força e tirou o canudo do copo, o dobrando e guardando no bolso.

—Rodi... Eu estava contando a eles. – Disse afim de que voltássemos ao foco.

—Oh! Wow já chegou na parte da Alho-Poró? É a melhor parte, sem duvida, temos uma gatinha agora. Eu achei que a Bisteca ia comer ela viva, mas, ela ficou foi com medo de uma gatinha que não tem nem metade do tamanho dela. – Se animou outra vez, mas ao ver minha cara, logo entendeu de que se tratava de algo mais sério. – Uh... adultos e suas necessidades de falar coisas sérias o tempo todo. Que que foi gente?

—Você se "casaram" pelo que entendi. – Yuri tentou repetir em voz alta, fazendo aspas com a mão e sendo rebatido rapidamente pelo Rodrigo:

—Sim... e sem aspas, por favor. Foi real... e lindo.

Sorriu genuinamente, me fazendo concordar com veemência ao relembrar de alguns momentos e sorrir também junto a ele. Nós provavelmente estávamos olhando feitos bobos um pro outro e perdidos em dois dias atrás, por isso disfarcei e voltei a olhar para os nossos filhos. Tínhamos assuntos a tratar.

—Então, sim, foi isso. O Rodrigo foi pra lá, nós conversamos... reatamos, se assim posso dizer e acabamos tendo um momento tão profundo e intimo que acabamos nos casando. F-foi algo informal sem papéis e sem planejamento, mas foi importante pra gente simbolicamente. Espero que vocês levem a sério tanto quanto nós, porque dessa vez é pra valer.

Finalizei o assunto, soltando o ar que até então não sabia que prendia e foi como se tivessem me tirado quilos e mais quilos das minhas costas.

—Eu tô um pouco decepcionada. – Minha filha se pronunciou pela primeira vez, me deixando bastante apreensivo. Não que fosse mudar alguma coisa a partir do que eles dissessem ou pensassem, estava feito e eu não me arrependeria. Estava feito e, de uma forma ou de outra, eles teriam que aceitar, eu não mais deixaria de viver aquilo ou fugiria outra vez. Como o Rodrigo me dizia: a gente só vive uma vez e o caminhão de lixo passa duas vezes por semana. Eu não entendia muito bem, mas tentava absorver e levar algo daquilo a sério.

—Meu pai casou e eu não estava lá... eu sequer fui convidada! Eu estou realmente muito decepcionada.

Clara continuou calmamente, aos poucos deixando um sorriso crescer em seus lábios e o rosto suavizar enquanto transmitia um total divertimento com suas próprias palavras. Eu confesso que demorei pra processar o que era aquilo, e quando processei, mal consegui disfarçar a minha cara de ainda mais bobo e surpreso com a reviravolta que ela fez propositalmente.

Por Nossos Filhosحيث تعيش القصص. اكتشف الآن