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Capítulo 01, por Ethan Watson
Entrevistas e Línguas

Atrasado.

De novo, estou chegando atrasado nessa maldita empresa.

Já elaborei milhares de desculpas convincentes para dizer ao meu pai, mas nem um raio fará com que ele acredite em mim.
E, amaldiçoado seja Tyler Evans por me convidar para uma festa em plena semana.

Até mesmo o tempo de Long Beach está contra mim hoje, pelo visto.
Odeio esse clima frio e cinzento que me impede de dirigir 380km/h em 2,7 segundos.

Quando finalmente consigo deixar o meu carro no estacionamento, já estava tão impaciente que não esperei o elevador voltar para poder chegar até recepção, então resolvi subir usando as escadas.

Como de costume, encontro Rebecca na recepção mascando um chiclete.
Seu olhar cai sob mim e tenho certeza que ela já sabe o meu atual estado.

— Eu sei, eu sei. Estou atrasado. — digo revirando os olhos.

— Pela terceira vez na semana.

— Pela terceira vez na semana. — repito a sua voz, na tentativa de imitá-la.

— Seu pai está uma fera, acho melhor subir logo.

Entregou o meu cartão de identificação e arrumou a minha gravata.

— Uh, que novidade. Ele sempre está bravo comigo. — dou de ombros.

Pelo que conheço dela, sei que Rebecca quis sorrir e debochar do meu pai, mas provavelmente lembrou que àquele chato também era o seu chefe.

— Deve ser porque você sempre é um estúpido.

— Um belo estúpido, admita. — fiz biquinho.

— Nem tão belo assim.

— Aposto que a sua namoradinha do setor 4 não acha isso. — provoquei.

Rebecca olhou para os lados, certificando se ainda estávamos sozinhos e também se ninguém havia escutado o que falei segundos atrás.

— Vá se ferrar, Watson. — me deu a língua e colocou os seus fones de ouvido novamente.

— Também desejo que tenha um bom dia, doce Becky.

Caminho até o elevador e evito pensar no sermão que provavelmente vou levar.

Quando as portas gélidas de aço se abrem, tenho quase certeza que já morri e estou entrando no paraíso.

Antes de reparar na dezena de mulheres de saltos e terninhos apertados que estavam à minha frente, procuro por Rick, um dos meus amigos que morreu de overdose ano passado, mas não o encontro neste setor prédio.

A voz de algum desconhecido ecoa atrás de mim, pedindo passagem e, acabo acordando para a realidade.

Hoje começam as entrevistas de emprego para preencher a vaga de Theresa — a ex-secretária particular do meu pai que demitiu-se para sair em turnê com um italiano biruta que trabalhava no circo —, e eu esqueci completamente disso.

Penso em correr dali, mas os olhos de algumas moças já estavam me encarando. Seguro a minha pasta e cocei a garganta, passando por elas.

Não dei bom dia, nem mesmo consegui esboçar um sorriso, porém, ainda assim posso escutar os suspiros delas. Digamos que isso melhorou o meu dia 60%, me lembrando de como é bom ser desejado.

Abro a porta de vidro opaco e encontro a fisionomia fechada de Elliot. Oh, eu estou bem encrencado.

Por sorte, ele não estava sozinho e o impacto da reclamação vai ser bem mais agradável com a presença da minha mãe aqui, e eu espero de todo coração que ela não deixe seu amor acima das necessidades do seu injustiçado e pobre filho.

— Tem 2 minutos para dizer porque diabos está atrasado, de novo. — a sua voz firme constantemente me assusta, só que desta vez parecia bem mais ameaçadora.

— Primeiramente, um bom dia ao casal mais lindo que já vi...

— Sem joguinhos, Ethan. — ele me corta, mesmo vendo o sorriso nos lábios da minha mãe.

— Passei a noite na casa de Tyler, e o trânsito estava um caos hoje. — revirei os olhos, falando uma mentira que nem era tão mentirosa assim.

— Isso explica o cabelo bagunçado e o perfume de mulher fácil que você está exalando. — mamãe falou enquanto sentava em uma das poltronas.

— Não estou exalando nenhum perfume.

— Não? Então finalmente resolveu economizar? Porquê não vejo outra razão para trocar sua colônia francesa por esse odor irritante.

Quis respondê-la, mas a tosse proposital do meu chefe acaba cortando a nossa discussão.

— Em casa conversamos sobre o comportamento de Ethan, agora temos que começar as entrevistas. — arrumou a sua gravata e ligou para Stela, mandando organizar as desempregadas lá fora.

Não deixo de insinuar que o meu comportamento não era problema deles, porque não sou mais uma criança, muito pelo contrário. E, ser tratado como uma é um saco.
Nem mesmo Kimberly recebe tantas broncas quando faz algo errado, então, qual a necessidade desse drama agora?

Seguro a prancheta que a cabeleira ruiva me entrega e começo a escrever os pontos negativos e positivos de cada candidato.

Em sua maioria, todas tinham um bom perfil. Acabaram a faculdade à pouco tempo, procuram um emprego fixo e querem crescer na área.

Um cara atrapalhado acabou de deixar a sala, e até agora é o único do sexo masculino à disputar a vaga. Papai gostou dele, apesar do seu currículo não bater com que estamos procurando.

Stela anuncia a entrada da próxima e meus olhos batem fixamente em uma branquela, que apesar de não estar usando um vestido curto como as outras, também era uma delícia.

Nos cumprimentou brevemente e sentou na poltrona do outro lado da mesa.

— Então, Marj... srta. Hayes, — corrigiu-se rapidamente — aqui diz que se mudou para Long Beach a pouquíssimo tempo. Já conhece a cidade? — minha mãe pergunta, depois da explicação monótona de como a empresa funciona que o seu marido chato fez, pela milésima vez.

— Ah, sim. Costumava visitar os meus colegas com frequência, então não foi difícil me familiarizar. — disse calmamente, com um belo sotaque cru e explícito, apesar de disfarçar inconscientemente sua outra nacionalidade.

— Seu currículo é uma maravilha, devo admitir. Por que quer ser só uma secretária? Aqui tem ótimas referências e tenho certeza que conseguiria algo melhor, mesmo que não precise, já que seus pais são incrivelmente bem-sucedidos.

O meu pai fala claramente assustado.

— Esse é o problema. Quero ter alguma independência, fazer algo que realmente me sinta bem. Não gosto de ouvir sempre as mesmas coisas, sobre só ter algo por conta dos meus pais.

— É uma pena que nem todos pensem como você, Marjorie. — minha mãe esquece as formalidades, mas ninguém ligou para isso, na medida em que seus olhos lançavam facas em mim.

— Você fala mesmo 5 línguas diferentes? — abro a boca naquela sala pela primeira vez desde a sua entrada.

Seu rosto vira na minha direção e percebo que ela não havia notado a minha presença ali até agora... ou, só estava me ignorando mesmo?

— Sim, não tenho motivos para mentir em um currículo. — sua resposta afiada me surpreende.

Tão chata como é, pode até saber tantas línguas assim, mas duvido muito que já tenha conseguido ter duas na sua boca ao mesmo tempo.

Deixo um riso baixinho escapar da minha garganta com esse pensamento sarcástico e recebo um chute por baixo da mesa vindo da minha mãe.

Procura-se uma Secretária [concluída]Where stories live. Discover now