CAPÍTULO QUATRO

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Leyr não se daria bem morando no Lado de Fora. Talvez se adaptasse com o tempo, mas só pela longa caminhada na floresta já descobriu que não era experiente em conviver entre plantas, árvores e animais estranhos — alguns ele nem sabia o nome, nunca vira antes. Seus músculos só pioraram conforme o tempo.

Tentou ao máximo não encostar nas coisas, porém foi inevitável se manter intacto, principalmente quando foi cortar uma cerca de arame que o impedia de passar. Contudo, foi seguindo pelo sul, conforme as instruções de Chloe, e conseguiu chegar à civilização, comprovando a Teoria dos Três Lados.

Aquela cidade não tinha semelhança alguma com a sua. Era feita apenas de casas de madeira, visivelmente frágeis, bem distantes umas das outras. As ruas eram de terra pura, onde havia marcas de pneus — o garoto supôs que eram dos veículos que vinham buscar as crianças. As pessoas andavam aos trapos; normalmente carregavam baldes de água ou de carne crua nas mãos. Leyr levou um susto quando reconheceu o símbolo de uma banda em uma jaqueta alheia que um morador usava. Logo se lembrou da Teoria: diziam que a maioria das coisas jogadas no lixo do Lado de Dentro eram levadas para o Lado de Fora, no intuito de serem reutilizadas pelos que vivem lá.

Era outro choque de realidade o acertando. Estavam certos. O livro proibido no Lado de Dentro contava a verdade escondida deles. A sociedade miserável era real. A exploração era real. E, até agora, ele era o único que sabia. Logo pegou a micro câmera de seu bolso e a posicionou na camiseta.

De repente, sons de motores surgiram por perto. O garoto virou o olhar para a direção deles, encontrando furgões militares vindo em sua direção. Seu coração falhou uma batida. Ele se afastou, andando de costas. Os veículos pararam antes de se aproximarem, já despejando soldados pelo ambiente.

Leyr se virou com a mão em seu ponto no ouvido, falando:

— Eu cheguei à cidade. O livro estava certo sobre tudo. Parece que eu cheguei bem quando os soldados...

Então, ele foi interrompido por uma garota trombando em seu ombro direito. O rapaz até girou com a força. Uma onda de dor percorreu seus músculos. Um garoto passou correndo também, a acompanhando. A menina, pelo menos, se virou para fazer um pedido de desculpas.

***

— ME DESCULPA! — berrou Kaya.

Voltou a correr em direção a sua casa. Os Sem-Caras haviam parado bem ali, eles tinham que ter parado bem ali! Na sua região! Eles nunca fizeram isso em todo esse tempo, nunca repetiram o mesmo local. Por que logo agora resolveram fazer? Não fazia o menor sentido.

Ela corria sem olhar para trás; suas pernas funcionavam como nunca antes. Ouvia, ao seu redor, gritos de desespero e as ordens dos homens de capacete:

— Tragam as crianças, rápido!

Dando uma espiada para o lado, Kaya viu Pierre, um garotinho também amigo de Guto, ser arrastado por um dos Sem-Caras para fora de sua casa. No entanto, não estavam o enfiando nas máquinas como de costume; estavam o colocando de joelhos no chão, enquanto um deles o analisava e enfiava objetos estranhos em seu braço.

Kaya acelerou os passos, seus cabelos voando para trás, os pulmões ardendo como fogo. Suor já brotava de todas as partes de seu corpo. Tudo que importava era Guto. Ela só queria chegar até ele, ver se estava bem.

Chegou em casa escancarando a porta e arfando; os Sem-Caras ainda não haviam passado por ali. Dan entrou logo atrás.

— Guto?! — perguntou, atravessando os poucos cômodos. — Sou eu! Guto, por favor...

O garotinho se revelou, saindo debaixo da cama do quarto e indo em direção aos braços da irmã. Eles se abraçaram mais forte do que na Praça. Não queriam se soltar.

O Lado de ForaWhere stories live. Discover now