CAPÍTULO QUATORZE

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*no próximo capítulo, tudo será finalmente explicado*

Hock subia pelo elevador com uma bandeja em mãos, como se fosse algum tipo de garçom. Cada dia que passava, irritava-se mais com sua função e, particularmente, com Lynn. Pela primeira vez, sentia vontade de questioná-la. De abandonar a missão. Não podia nem mais levar armas até lá. "Armas o assustam, vá sem nada", ela dissera. E agora fora obrigado a substituir o fuzil por um café da manhã.

As portas se abriram e ele adentrou. Após atravessar o corredor do andar superior, entrou no quarto de Guto, sem ao menos bater. Viu o garoto chorando em sua cama, limpando suas lágrimas nos cobertores brancos, recém-limpos. Dessa vez, ao ver o soldado, o menino não tentou fugir ou atacá-lo. Apenas o encarou, como se estivesse tentando matá-lo com os olhos. O homem suspirou e colocou a bandeja no colo dele.

— Coma — ordenou. — Não posso sair até você ter terminado tudo. Acho bom se apressar, tenho coisas a fazer.

Na verdade, não tinha nada para fazer depois daquilo. Guto olhou seu prato sem entender. Hock se perguntou se alguma vez ele já tinha visto bacon e ovos na vida dele.

— Não tô com fome — resmungou a criança, voltando o olhar ameaçador para o soldado. — Quero voltar pra casa!

Que ótimo! Vou precisar lidar com chilique. Bufou após pensar nisso.

— Eu também quero, garoto — retrucou. — Então come logo!

— Não vou comer isso! — exclamou, olhando para o prato. — Parece barriga de porco, ou sei lá.

— É a gordura do porco.

— Que nojo! — gritou. — Porcos são nojentos! Não comemos isso em Antã. Deixa as pessoas doentes!

Guto era mais inteligente do que Hock esperava. Como reconhecera a carne do porco depois de já estar frita em tiras daquele jeito?

— Não, essa daí, não — falou. — É limpa e é gostosa. Coma logo!

— Já falei que eu não quero!

Ele cruzou os braços em cima da bandeja. Aquilo deixou o soldado extremamente irritado. Sem nem perceber o que estava fazendo, ele deu um passo forte para frente, com a mão erguida, pronto para agredir o garoto. No entanto, se conteve ao ver Guto encolher o corpo por inteiro, se abraçando com os olhos cheios de lágrimas. Hock precisava se controlar.

Respirando fundo e fechando os olhos, o homem abaixou o braço; a cabeça parecia uma bomba relógio com algumas lembranças de seu passado martelando seu cérebro. Ele se sentiu mal por ter perdido o controle. Se quisesse que o garoto o obedecesse, precisaria parar de soar tão ameaçador. Quando ficou mais calmo, uma ideia surgiu.

— Olha... — falou, separando as pálpebras. — Sabe aquele aparelho lá embaixo, na sala? Que você ligou ontem sem querer? Ele se chama televisão. Ou TV, como preferir. E você viu como funciona, não é? São imagens que se mexem e soltam sons. Posso ensinar a você como ela funciona. Mas precisa comer antes.

Finalmente, Guto pareceu hesitar em sua resistência. Intercalava seu olhar: prato, soldado, prato, soldado. Era um avanço.

— Vamos, não é ruim — ele reforçou, se referindo à comida. — Experimente.

Tentava não soar condescendente ou grosso, mas seu tom saia sempre autoritário. No entanto dessa vez pareceu funcionar. O garoto pegou uma fatia de bacon com suas duas mãos e ficou apenas encarando por um tempo. Enfim, levou a comida até a boca. O soldado se sentiu satisfeito ao vê-lo começar a devorar o prato inteiro com rapidez. Sabia que a criança deveria estar com fome. Não comia há quase dois dias inteiros.

No fim, quando o prato estava vazio, Guto olhou para os olhos de Hock e o cobrou:

— Agora eu quero saber como aquilo funciona.

O homem cumpriu o combinado. Desceram até a sala de estar e se sentaram no sofá, deixando a bandeja em cima da mesinha de centro. Hock pegou o controle remoto e mostrou ao garoto como ligava a televisão. Depois, foi mostrando os canais liberados, deixando principalmente nos de desenho animado. Explicou a ele o que eram filmes, séries, atores... Foi uma aula longa. Contudo, Guto era sagaz. Aprendia rápido.

Não foi trabalhoso, mas demorado. Os dois ficaram ali por bastante tempo. O soldado se sentia estranho com aquilo. Muitas vezes, via sua personalidade passada ali, via o Hock que morrera. Não sabia ainda se gostava ou não daquilo, mas tinha certeza que odiava as lembranças assombrosas.

Enfim, Richard chegou para levar Guto consigo para fazer experimentos e Hock ficou sozinho no sofá, olhando para a televisão por longos minutos, mas sem prestar atenção no que estava passando. Apenas refletindo...

O Lado de ForaWhere stories live. Discover now