CAPÍTULO VINTE E SETE

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Ao fim da tarde, após passar o dia na cama, Leyr subiu no teto do prédio abandonado perto da estação para passar o tempo. Tentava espairecer um pouco, porém a bronca de Hug voltava constantemente em sua cabeça, mesmo que se sentisse um pouco melhor após os agradecimentos de Kaya.

O sol alaranjava a cidade, descendo atrás dos enormes prédios do centro. Os LEDs já estavam sendo ligados, preparados para enfrentar a escuridão noturna. Tudo estava tranquilo, um dia comum como todos os outros no Lado de Dentro. Como seria depois de toda a verdade ser revelada? E se as pessoas aceitassem continuar explorando outras para o próprio bem?

De súbito, seus pensamentos foram interrompidos por um barulho inesperado vindo de trás. Ele se virou para olhar, imaginando ser Kaya. Porém, se surpreendeu ao estar de frente com Gustavo. Ele se aproximou do mais novo com as mãos nas costas.

— Sabia que ia te encontrar aqui — falou ao chegar do lado dele. Os dois se voltaram para a cidade.

— Veio me relembrar da bronca de Hug? — indagou o outro, sem ânimo. — Valeu, mas eu já tô fazendo isso muito bem sozinho.

O loiro riu, negando com a cabeça.

— Não... Eu, na verdade... vim pra me desculpar — explicou, virando o olhar para encará-lo nos olhos.

— Se desculpar? — repetiu.

— Ér... Eu sei que nosso relacionamento estava indo bem antes da nossa briga. Quer dizer, da briga que eu causei. Também sei que não estou sendo justo contigo nisso de tentar me afastar. Então decidi vir pra pedir desculpas sobre tudo isso.

Leyr sentia seus sentimentos se misturarem dentro de si. Nada daquilo era esclarecedor o suficiente em sua visão. Se ambos queriam, por que era tão difícil de conseguir?

— Quando você passou pela Fronteira... sem termos nos despedido... senti culpa, tristeza, remorso — continuou. — Passaram-se apenas dois dias sem você na central e era como se me faltasse uma perna. Eu fiquei com saudades.

— Estou aqui agora — disse o garoto, com seus olhos enchendo de lágrimas. — Podemos voltar a ser como antes.

Um suspiro longo passou pelos lábios de Gustavo enquanto ficava cabisbaixo.

— Não dá, Leyr — ele respondeu. — Eu acho... acho que não estou preparado pra isso ainda.

Isso revoltava o mais novo.

— Mas que merda, do que você tem tanto medo? — questionou com o tom áspero. — Nossos amigos já sabem. Até Kaya já deve saber. O que tá te impedindo de fazer isso? Nós somos Insurgentes, Gustavo. Rejeitados pela sociedade. Moramos quilômetros abaixo da terra, acha mesmo que alguém vai nos julgar?!

— Você sabe o que passei na escola...

— E você sabe o que passei dentro de casa!

Outro momento de silêncio foi necessário para os dois acalmarem os ânimos. O mais velho ergueu sua cabeça para o companheiro.

— Nós dois deixamos nossas vidas para trás por causa disso — falou, com voz de choro. Aquilo machucava Leyr. — Você conseguiu superar seu passado. Eu acho que ainda preciso de tempo. Só até as coisas se acalmarem... — Lágrimas começaram a escorrer por suas bochechas; foi a fraqueza do adolescente. — As coisas que eles me diziam, Leyr... O que eles faziam comigo... Todas as noites eu me lembro de quando fiquei trancado naquela salinha escura do faxineiro... Por horas e horas, gritando, chorando, clamando por ajuda. Ninguém me ouviu. Ninguém. Foi quando eu... quando eu criei meu primeiro plano arriscado e consegui escapar por uma janelinha. E depois, o meu segundo, pois precisei arranjar um jeito de escapar da escola à noite, com todas as portas e janelas trancadas. E, por fim, o meu terceiro: encontrar um lugar seguro pra passar a noite. Eu estava decidido em não voltar mais para aquele lugar, nem mesmo para a minha casa. Encontrei a central de comando por acaso, sozinho, poucos dias depois. Desde então, ainda tenho pesadelos com aquela salinha escura. Com aqueles... aqueles garotos desumanos...

O Lado de ForaWhere stories live. Discover now