CAPÍTULO TRINTA E CINCO

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Leyr, com cautela, girou a maçaneta da porta de madeira e adentrou. Ele se viu em um quarto pequeno, parecia-se com o da sua casa antiga, da qual fora expulso. O piso era feito com tábuas de madeira envernizadas, no entanto, havia um tapete azul que cobria quase todo o chão. Continha poucos móveis: uma cama encostada na parede direita — estava arrumada, mas Leyr pôde notar uma parte um pouco amassada, como se alguém estivesse sentado ali há pouco tempo —, uma poltrona azulada ao lado da janela no extremo oposto da porta e uma escrivaninha de vidro cheia de folhas desenhadas. A iluminação era escassa, mas ele conseguiu enxergar que os desenhos eram infantis.

Andou até o carpete, com os ouvidos atentos. Identificou um ruído vindo de debaixo da cama. O rapaz se deitou no chão, sobre o tapete, e ergueu o lençol que encostava no piso, revelando um garotinho tremendo como um chihuahua com frio. Os alarmes devem tê-lo assustado.

— Guto? — chamou Leyr. O garoto tinha cabelos castanhos, assim como os olhos, e seu rosto era suave e singelo, mesmo com a expressão assustada. — Não precisa ficar com medo. Eu sou amigo de sua irmã, Kaya.

O rapaz esticou a mão para ele, mas isso o fez se afastar para o canto mais escuro, desaparecendo de vista.

— Mentira! — exclamou, com a voz trêmula. — O único amigo da minha irmã é Dan.

— Eu sou um novo amigo dela — explicou Leyr. — Ela arranjou muitos novos amigos. Apenas para tirar você daqui e levá-lo pra casa.

— Eu não acredito em você! — respondeu a criança, tentando inibir o medo. — Prove que é amigo dela!

Leyr suspirou. Ele é muito inteligente para o tamanho dele. Kaya estava certa.

— Ela me contou da vez que você saiu escondido de noite para trocar, já que sua família estava sem comida. Foi bem corajoso. E inteligente também... Ela vive falando isso, o quanto você é esperto. Além disso, ainda teve a vez em que você salvou todas aquelas crianças dos Sem-Caras, se escondendo embaixo de uma casa. Deve ter orgulho disso, porque sua irmã tem. Ela... gosta muito de você. Não tem ideia do que enfrentou para chegar aqui. — Fez uma pausa, esperando qualquer reação de Guto. Contudo, nada veio. Ele continuou: — É uma garota valente. Igual a mãe de vocês.

— O que sabe da minha mãe? — interrompeu a criança.

Estavam ficando sem tempo. O adolescente precisava ser mais rápido.

— Sei que ela era uma guerreira forte — respondeu. — Sei que montou um grupo para resistir aos Sem-Caras. A Conjuração.

No entanto, nada. Guto continuou ali, espreitado. Sem coragem de sair. Leyr, enfim, teve uma ideia. Talvez fosse o suficiente para provar que era seguro sair. Não custava tentar.

Eles virão — cantou. — Virão. Outra vez eles virão. Sua irmã me mostrou essa música uma vez. Mas... não consigo me lembrar o resto. Completa pra mim? Eles virão. Virão. Outra vez eles virão.

No começo, apenas silêncio. Talvez o garotinho estivesse decidindo se continuava ou não. Contudo, para a surpresa do mais velho, acabou dando certo:

Com eles vindo eu enfraqueço. Se me enfraqueço, os fortaleço. Com eles fortes, crio medo. O meu medo gera raiva. Minha raiva, minha arma.

O adolescente sorriu com uma onda de alívio percorrendo seu corpo.

Enfim, Guto saiu de debaixo da cama e os dois rapazes se levantaram, um olhando para o outro.

— Vamos encontrar sua irmã — falou Leyr, erguendo a mão para o menino, que aceitou de bom grado.

O rapaz já estava começando a se virar quando o garotinho puxou a mão dele, o fazendo voltar sua atenção.

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