CAPÍTULO TRINTA E DOIS

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DOIS ANOS ANTES

Hock e Miranda gritavam um com o outro na varanda da cobertura recém-comprada deles. A cidade brilhava em luzes de LED e neon ao redor do prédio, ofuscando a luz das estrelas no céu. Nick estava doente, provavelmente com uma gripe que pegara após a curta expedição na floresta. Estava proibido de ir para a varanda por ainda não estar totalmente coberta com vidro. Nem o parapeito estava envidraçado, havia buracos extensos em cada quadrado de barras metálicas. Isso só ficaria pronto no dia seguinte, possibilitando mais segurança à criança.

No entanto, ninguém viu quando o garoto arrastou uma das portas de correr, apenas o suficiente para poder passar.

— É culpa sua! — berrava a mulher, aos prantos. — Não devia tê-lo levado! Ele está muito mal!

— Vai mantê-lo preso para sempre? — retrucava o homem, cuspindo sua fúria. — Ele não tem vida! Ele não conhece nada!

Ninguém viu quando Nick se aproximou.

— Ele pode morrer se sair de casa! A situação dele é muito grave. Não entende isso?! Não consegue entender?

Ninguém viu quando o garoto estava perto demais do parapeito sem proteção.

— Acha que ele é feliz aqui?! Acha que está sendo feliz preso em casa?!

Mas ouviram, ouviram muito bem quando o menino gritou:

— Parem!

E depois, a criança cometeu o maior erro de sua vida: agarrou o braço de seu pai descontrolado.

***

AGORA

— Hock! — chamou Guto, balançando-o com força no sofá de couro. — Hock, acorda! Você tá gritando alto!

O homem despertou suando. Demorou longos segundos para recuperar a consciência por completo. Ainda vestia o uniforme de combate, porém seu capacete estava no chão. Lembrava-se vagamente do ataque ao metrô. Acontecera há tão pouco tempo — dependendo de quantas horas havia dormido — e já estava difícil de encontrar memórias vivas. A única bem fresca era a van de Leyrdalag fugindo com outros Insurgentes.

Ele ainda sentia o gosto do suplício daquelas pessoas implorando pela vida. Sentia seu dedo afundando o gatilho sem dó. Era cruel, porém, depois de um tempo, a atividade se tornara algo normal. Não passava de uma ação fácil: flexionar o dedo. Só isso e uma pessoa estava morta.

Agora, as imagens que mais estavam ocupando sua mente eram as daquela noite sombria. Quando sua vida mudou de uma hora para a outra.

— Estava sonhando com o quê? — indagou Guto, ajoelhado no sofá e encarando o soldado.

Quando chegou ao prédio do governo, Hock foi direto ver o garoto. Nem mesmo trocou suas roupas com alguns respingos secos de sangue, dizendo ao rapaz que era de animal. Deve ter cochilado enquanto assistia algum desenho bobo.

Em breve, com certeza, o chamariam por terem encontrado Leyrdalag. Eles não podiam se esconder por muito tempo. As patrulhas logo o encontrariam. Lynn provavelmente ativaria um toque de recolher se fosse necessário. E, enfim, tudo acabaria.

— Ah... Nada. Nada que precise saber — respondeu, grosseiro.

Guto não desistiu. Aproximou-se do soldado com olhos ainda mais curiosos.

— Quem é Nick? — questionou, tocando na ferida dele. — Você não parava de falar esse nome.

O homem suspirou. Não estava nada a fim de tocar nesse assunto, contudo, sabia o quanto as crianças eram curiosas e que Guto não desistiria de perguntar.

O Lado de ForaUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum