CAPÍTULO DEZ

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Os adolescentes caminhavam por longos minutos. Leyr reclamava que descer aquilo tudo fora muito mais fácil do que subir. Também já citara suas dores nas pernas umas três vezes. Contou para Kaya sobre o viaduto, primeiro explicando o que era um viaduto e carros, caminhões, estradas... Ainda resolveu, por algum motivo, descrever a Fronteira. Era tanta informação pra um dia só... Sentia como se sua cabeça fosse explodir.

E, apesar de tudo, ainda não confiava totalmente no garoto. Como alguém conseguiria atravessar um local de tanta periculosidade sem ter nem um arranhão? E como existiam tantos veículos sendo que ela só vira os dos Sem-Caras? Nem mesmo seus livros contavam histórias tão absurdas quanto aquelas.

— A gente tá chegando — anunciou o rapaz —, mas acho melhor pararmos pra descansar um pouco. Meus pés estão doendo.

Como a garota não estava acostumada a andar tanto, suas pernas também imploravam para cessar. Além disso, seu estômago começava a roncar. Cedeu:

— Tudo bem.

Os dois se sentaram de pernas cruzadas na lama. Kaya tirou sua mochila das costas para procurar alguma comida. Optou por se alimentar apenas com uma maçã; não sabia quanto tempo ficariam ao relento, por isso deixaria os mais sustentáveis para depois.

Ficaram alguns minutos em silêncio, apenas com o som da mastigação da garota e as cigarras cantando.

— A história da sua mãe é inspiradora — falou o garoto. — Antes de entrar naquele bar pra te convidar pra essa missão, perguntei a algumas pessoas sobre você. O jeito que sua mãe se impôs... Deve ter muito orgulho dela.

Ela o encarou sob os vestígios da luz do luar. Acabou sorrindo com a última frase.

— Eu tenho — admitiu, de queixo erguido. — Ela era a luz do nosso povo...

— Deveria seguir os passos dela — ele incentivou. — Dar uma nova luz ao povo.

A garota riu, balançando a cabeça.

— Viu como eles me trataram depois do discurso? Fui humilhada. Nunca vão acreditar numa adolescente rebelde, filha de Eloá. Eles têm medo de se revoltar. Têm medo de mim... Mesmo que todos cantassem aquela música estúpida...

Ele franziu a testa, curioso.

— Que música? — indagou.

— É uma canção antiga. Normalmente é cantada quando uma criança é capturada. Deveria representar resistência. Esperança. Mas...

Nem terminou de falar. Já passara o essencial para que ele entendesse.

— Canta aí — ele pediu, colocando as mãos na lama atrás de seu corpo e se apoiando.

A adolescente riu de escárnio, revirando os olhos. Pensava que fosse uma piada, mas as feições sérias do garoto diziam o contrário.

— Você tá falando sério? — ela disse, erguendo as sobrancelhas.

— Claro que tô.

Kaya hesitou. Ficou longos segundos pensando na hipótese de cantar para aquele desconhecido. Ele continuava a encará-la com os olhos de âmbar atentos à sua boca. Aguardava a música começar. Não estava mesmo brincando.

Cedendo, a garota se ajeitou, enrijecendo as costas e pigarreando. Por fim, se dispôs a cantar apenas o primeiro refrão e a primeira estrofe. Recusou-se a continuar. Não gostava de ouvir aquela canção apenas com a sua voz. Sentia um pouco de vergonha ao fazer isso.

Quando acabou, Leyr se inclinou na direção dela e fitou seus olhos castanhos enquanto esboçava um sorriso.

— Bom, na verdade, eu acho que você já tá seguindo os passos dela — falou, voltando ao assunto anterior. — Da sua mãe. Olha onde está. Com um desconhecido, enfrentando a escuridão pra salvar seu irmão. Está quebrando as regras deles, Kaya.

O Lado de ForaWhere stories live. Discover now