CAPÍTULO QUINZE

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Kaya despertou após um sono profundo. Suas pernas estavam doloridas. Mal conseguia acreditar que passara mesmo por tudo aquilo ainda ontem. Estava deitada em uma cama não muito aconchegante — mas bem mais confortável em comparação à sua cama de Antã — num quarto dividido com mais sete pessoas. Em cada canto daquele cubículo tinha um beliche, onde dormiam duas pessoas em cada.

Lembranças das conversas com Hug a rodeavam logo de manhã. Ela explicara tão bem Antã que até se surpreendera com o quanto sabia sobre sua própria cidade. Quando falou da Música da Resistência, o homem implorou para ouvi-la e ela teve que cantar — inteira dessa vez —, mesmo sentindo um pouco de vergonha. Agora, Kaya estava ansiosa, pois ele contaria coisas das quais ela não sabia; sobre ambos os Lados. Ainda tinha mais um que a garota não ouvira ninguém falando sobre, já que o livro se chamava "Teoria dos Três Lados". Queria saber qual era.

A adolescente não desacreditaria mais de nada, não depois de ter visto tudo que estava na superfície a alguns de metros acima dela. Era surreal.

Levantou-se da cama, espreguiçando-se. Tropeçou em sua mochila quando deu seus primeiros passos, lembrando-se de colocá-la debaixo da cama. Saiu do quarto para um corredor de concreto. Em seu caminho, encontrara pelo menos três pessoas limpando as paredes e o chão.

Kaya seguiu para o pátio, onde Hug explicou ser o refeitório dali. Ele falou como fazia para pegar a comida e ela apenas andou conforme as instruções: pegou uma bandeja com divisórias e foi em direção ao balcão, onde começaram a colocar comida em cada parte. A garota saiu com pedaços de maçã, uma única uva, uma pequena montanha de mingau de aveia e um suco de pêssego dentro de uma caixinha. Quando foi procurar um lugar para sentar, viu Chloe a chamando em uma das mesas.

Kaya se sentou de frente com a garota. Começou a comer e logo se decepcionou com o gosto das coisas. A maçã não lembrava as frutas que ela comia no Lado de Fora, o mingau parecia estar estragado, o suco com certeza tinha algo a mais do que pêssego e açúcar. A uva era a única coisa realmente gostosa, porém ainda não tinha o mesmo gosto do que a de Antã.

— São os conservantes — explicou Chloe ao perceber a careta da garota. — Mudam o sabor dos alimentos. Porém ajudam a conservá-los e fazê-los durar mais tempo.

Ela colocou um aparelho eletrônico retangular em cima da mesa para esticar seus braços. A adolescente olhou para o objeto, vendo que ele mostrava uma imagem de algumas plantas e estava escrito em branco: BIOLOGIA II: O MISTERIOSO REINO PLANTAE.

— O que é isso? — perguntou.

— É um livro — explicou a garota. — Como não posso mais frequentar a faculdade, estudo por conta própria.

Kaya não sabia o que era faculdade, mas ignorou por enquanto.

— Quis dizer esse aparelho — explicou, apontando com a cabeça.

— Ah, isso? — Chloe agarrou-o na mão, o erguendo. — É como uma estante, mas digital. É onde eu leio meus livros. Tem mais de seiscentos aqui dentro, porém só li trezentos e dois até agora. E eu estou demorando demais pra acabar esse de seis mil seiscentos e setenta e duas páginas, normalmente leio livros curtos assim em dois dias. — Ao notar o espanto da garota ao ouvir a quantidade de páginas, se apressou em dizer: — Ah, não se assuste. As páginas são menores nesse aparelho, sabe? Se fosse um livro físico, teria umas trezentas.

Aliviou-se ao ouvir isso; nunca encontrara alguém que lia mais rápido do que ela. No entanto, continuava espantada ao saber da quantidade de livros existentes dentro daquele objeto tão fino. Seiscentos livros não cabiam nem em sua casa, como caberiam ali?

Quando Kaya terminou de comer tudo em sua bandeja, Chloe a levou até os chuveiros. As pessoas tomavam banho juntas ali, porém com cortinas dando a privacidade de cada uma. Ela só não tomou banho na noite anterior porque estava com muito sono e Hug falou que não era necessário, já que eles tinham caído num rio cheio de produtos químicos matadores de bactérias. Agora, era o que ela mais queria.

O Lado de ForaWhere stories live. Discover now