Prólogo

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~Nós construímos nosso próprio inferno~


  Por hoje, repeti o que venho repetindo a cinco meses seguidos. O dia na empresa foi algo atormentado para mim, em todos os meus dias, não vejo a hora de acabar tudo para vir para cá, sentar na poltrona ao lado da maca para conversar com a pessoa que salvou minha vida, não merecia isso, não merecia que perdesse sua vida pela minha, eu um homem tão sujo e pecador, ela um anjo sem culpa alguma de estar comigo. Se estivesse a colocado dentro de um apartamento como pensei e não ter deixado ficar comigo, estaria viva, talvez estivesse a levando agora para comemorar seu aniversário. Hoje exatamente dia três de julho Annastácia faz dezenove anos e deitada nessa maca, pálida e com um aparelho em seu dedo, justamente nesse lugar que todos os dias estou a vir e a falar como tudo está difícil. Para mim Harry Van Vitsky, nunca esteve tão difícil viver como está sendo agora, porque passei a depender de um sorriso e um jeito meigo para ter minhas forças. Descobri que Anna passou a ser a minha bateria, não fiz negócios, minha empresa está progredindo devagar e sinto que a cada dia, a bebida me leva. Tenho esperanças de ver os seus olhos castanhos abrirem, seus cabelos cresceram mais, ficarem ainda mais bonitos. Ela fica linda a cada dia e...
  — Senhor Van Vitsky — olho a enfermeira ruiva a me encara e suspiro — disse apenas mais cinco minutos. — Olho uma última vez por hoje para Anna, suspiro passando as mãos em minhas coxas e levanto, engulo em seco jogando meus cabelos para trás, seguro no meu casaco e vou em direção à porta.
  — Obrigado Helena. — Passo por ela e vou em direção à porta de saída.

  Sento no banco de couro e deixo minha cabeça cair para trás. Abro o porta-luvas e seguro o remédio que me mantém acordado, não dormir está começando a afetar meu subconsciente, as cenas daquele dia ficam se repetindo na minha cabeça como fantasmas. Ouvindo seu grito e seu último toque em mim. Não tem um dia se quer que não sinta culpa e arrependimento, o que mais me afeta é a preocupação, me disse sempre que salvei sua vida, mas por que só agora não vejo isso? Não me sinto o mesmo Harry de antes, é como se a luz que estava brilhando, queimou e não tem volta, é aquele mesmo vazio que sempre senti que achava que gastar meu dinheiro em cassinos e pubs preenchia, ouvir outras sussurrar meu nome era algo que satisfazia. Antes, até vir ela. Ligo o carro e dirijo de volta para minha casa, no caminho coloco o CD que ganhei da mesma no natal, a música que cantou no escritório para mim toca, tento enxergar a estrada através das lágrimas que caem. Como pude chegar a esse ponto tão vulnerável? O celular ao meu lado toca, me fazendo afastar as lágrimas e respirar fundo antes de abaixar o som e pegar o celular.
  — Sim — atendo e ouço a respiração do outro lado.
  — Harry — a voz não é desconhecida, sabia que se tratava de minha irmã.
  — Cristal. — Sorri comigo mesmo, é bom ouvir sua voz, me liga sempre que pode. Não a vejo desde o acontecimento. Fiquei isolado boa parte dos três meses até atender suas ligações, mas percebi que Cristal me faz esquecer um pouco a droga que minha vida se tornou.
  — Harry tenho uma boa notícia, você está bem?
  — Qual a boa notícia? — estacionando o carro e ouço seu suspiro.
  — Irei passar um tempo com você — não sei se isso era bom. Na verdade, sim, ficar sozinho tem sido horrível, mas não quero que veja meu estado.
  — Tudo bem. Quando vem? Irei te buscar — abro a porta de casa e vejo que toda a bagunça de bebidas estava arrumada. Mary!
  — Daqui a dois dias, tudo bem?
  — Sim — me sento sobre o sofá afastando meus longos cabelos para trás. — Ela não vem com você, vem? — me lembro da última vez que vi Débora e brigamos, pois ela não tinha o direito de querer ver Anna, aliás, nunca ligou e quis a matar.
  — Não. Mamãe está em viagem com o tio Mike. — Olho um retrato meu e de Anna o mesmo do natal.
  — Tudo bem então! Até daqui dois dias.
  — Até Harry, te amo.
  — Até — desligo o telefone o jogando para longe.

  Desconfiei muito tempo de que Débora poderia ter dito aos franceses sobre o plano, mas nunca me caiu verdadeiramente à ficha de quem foi, ela não sabia e pedi total segredo entre todos em Los Angeles. A dor da minha cabeça me mata e tudo que quero é apenas dormir, mas quero dormir, não ter pesadelos, é raro ter uma boa noite de sono e sei que estou com a aparência horrível. No espelho do banheiro me encaro minha figura, meus cabelos estão perto do ombro, minha barba está aparente, mas não grossa. Grandes olheiras abaixo dos olhos. Como que um impacto tão grande de uma mulher pode fazer isso? Nunca pensei que perder alguém seria tão tortuoso para mim, aliás, perder está na minha vida á tempos, não sofri tanto quando meu pai se foi, apenas quando soube o motivo. Deixo a água quente cair no meu corpo, querendo apenas me perder nas grossas gotas.
  — Você é um puto desgraçado!

De volta a vida -  Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora