Capítulo 08

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   Deixo meu carro estacionado enquanto vejo Cristal sair do mesmo. Checo meus bolsos para ver se deixei a chave do carro e o celular comigo. Entro no hospital e o falatório baixo chega aos meus ouvidos, assim que disse a recepcionista que viria para a visita de Anna, me liberou para seu andar, Cristal não para de fazer perguntas ou de falar sobre direitos e literatura, não reclamo do jeito tagarela da minha irmã, pelo contrário admiro seu bom humor em meio ao caos. Avistando Helena sair do quarto de Anna, antes que a mesma possa fazer sua rota para o outro lado do corredor a chamo quero saber novas notícias, sei que são as mesmas de sempre. Não mostrou nada de diferente, a saúde esta instável e os órgãos funcionam bem sem aparelhos. Para quem teve um traumatismo craniano, está indo bem.
   — Foi um prazer conhecê-la Cristal — Helena aperta a mão da minha irmã antes de dar uma leve tapa em meus ombros sorrindo. Quando nos permitimos entrar naquele quarto, pude notar que esqueci as flores que sempre trago e que Helena havia removido as antigas do vaso.
   — Sempre que vem conversa com ela? — os cabelos loiros são puxados para trás de suas orelhas.
   — Sempre — seguro nas mãos da garota na maca e olho o aparelho de batimentos. — E sempre que venho. Mentalmente, peço um sinal para ela muitas vezes quando me restam duvidas se realmente está viva. Estevão vive me dizendo casos de cinco anos á treze anos que pessoas passaram em coma. Mas irá fazer seis meses e ainda não superei. O fato de estar ai é perturbador para mim.
   — Realmente se apegou a essa garota, não é mesmo? — vejo o sorriso pequeno de Cristal. — Percebi que Anna era sua carga quando vi que você tinha mudado. Sempre fui quem soube desse seu lado meu irmão, o lado vulnerável. Confesso que muitas vezes quando pequeno, quando tinha ataques de pânico por conta de pesadelos e vinha correndo pelos corredores para dormir comigo. Soube que mesmo tendo essa casca dura, era o Harry a ter medo. Isso não é errado — bagunça meus cabelos — acho que isso aqui é uma nova etapa que Harry Van Vitsky tem que passar como todas as outras que passou.
   — Mas dessa vez, ninguém vai morrer, vai? — a olho e está de olhos fechados.
   — Não, ninguém vai morrer — diz e não consigo achar vestígio de insegurança — Anna é forte. — Ficamos em silêncio, apenas com o barulho do aparelho e os nossos carinhos. Cristal está certa, Anna é forte, mas até quando ela será forte?
   — Irei buscar algo para comer, você quer? — olho nos olhos castanhos diferenciados da minha irmã e respiro fundo.
   — Apenas um café — sorri vendo seu corpo ir até a porta. — É Anna, eu realmente queria um sinal seu, não me diz que está gostando do mundo de lá? Não me deixa aqui sozinho é atormentador demais.

~*~

   Quando eu e Cristal voltamos para casa conversamos, por incrível que pareça, sobre nossa infância e nosso pai. Lembrava-se de Shawn e Lara a brincar conosco e a nossa grande dúvida foi, onde está Lara? Fugiu com os pais para algum lado no sul? Não saberíamos, porém continuamos a conversar. Em casa Cristal foi contar nosso dia a Mary e subi as escadas para um banho. O dia foi produtivo e cansativo, será que agora eu irei dormir sem aqueles remédios? Enquanto a água fria desce no Box, tiro em um ato preguiçoso as minhas roupas, as pondo no cesto de peças sujas. Caminho até o chuveiro para verificar se a água já está quente o bastante para mim, seguro no frasco do shampoo e coloco uma quantidade boa para os meus cabelos médios, e olhando o espelho na minha frente, estão ótimos para cortar novamente. Expulso os pensamentos de mim, apenas para aproveitar o resto do banho delicioso sem pensamentos. Mas quando menos espero, lá estou eu, vendo desenhos nas pedras do azulejo.
   — Estou ficando louco! — dou risada de mim mesmo por ter visto um cavalo desenhado. Secando meus cabelos saio da casa de banho, recebendo o frio do lado de fora, o que fez eu querer correr logo e por uma roupa.
   — Harry desce para o jantar! — Ouço a voz de Cristal abafada e não respondo, por um segundo paro de fazer o que estava fazendo para olhar ao redor do quarto, como se enxergo o restante da casa, uma residência no meio do nada, com tanto quartos e cômodos, pareço a fera do desenho da Disney, um monstro enjaulado em um castelo sozinho esperando a cura de Bela. Abano minha cabeça e ponho as peças com calma sentindo minha pele arrepiar, quando vou fechar as gavetas vejo de lado a substância tóxica que usei há alguns meses. Minha boca fica seca, em poucos segundos já estou com o pacotinho em mãos, não sei se a dor dos meses passados é mais forte que agora para eu ter usado uma coisa como essa a sensação é boa demais.

  Minha alma parece sair do corpo, estou sorrindo para mim mesmo, consigo me ver deitado, isso parece engraçado quando gargalho, a porta se mexe, parece rodar e me sinto tonto, caio no chão e ouço uma série de barulhos estranhos, dói meus tímpanos, me apoio para levantar e derrubo mais coisas que ecoam alto no quarto, fazendo eco, como quando se derruba muitas moedas. O que está acontecendo? Por que nunca chego na porta?
   — Não irá responder? — paro todos, todos os movimentos, agora parece que meu quarto é um boomerang gigante, tudo vai e volta numa velocidade que pareço golpeado, isso dói de certa forma. Essa voz, meus olhos estão fechados, não pregue peças comigo! Não ouse virar Harry, você não irá virar — Harry? — engulo em seco e fecho os olhos com força, me viro devagar para trás. Não é possível, estou louco, não tem como. Annastácia está sentada na minha cama, a me olhar com o mesmo vestido daquele dia angustiante.
   — A-Anna?! — Olho cada canto do seu rosto, estava com saudades desses olhos. — Estou ficando louco. É apenas imaginação. — Ao tentar andar acabo caindo, o barulho alto de alguma coisa me fez colocar a mão nos ouvidos e sinto meu corpo arder de repente.

De volta a vida -  Livro 2Where stories live. Discover now