Capítulo 1

30 4 0
                                    

NATE

— Lá vão os dois de novo, pras aulinhas de português. Nossa, como me irrita!

Nathan entrelaçou o dedo mindinho ao da melhor amiga e incentivou que seguissem para o portão da escola quando Lisa deu sinal de se virar para rebater o comentário. Sabia que, como em todo tipo de provocação, o combustível para que continuasse era o nível de irritação que gerava, mas Matt tinha motivos a mais. Costumavam ser amigos alguns anos antes, um trio. Não Nathan, Matt e Lisa, mas Nathan, Matt e Rafe. Tudo havia acabado quando Rafe se mudara do país e de repente Matt parecera ter decidido que nunca havia gostado muito de Nathan, então sem Rafe não fazia sentido que se tornassem uma dupla.

Nathan só não acreditava demais na indiferença que Matt dizia sentir porque, se ele não se importasse um mínimo – como costumava sugerir –, não seria tão facilmente incomodado por qualquer coisa que fizesse sem ele. Como ter aulas fora da escola.

Matt e seus amigos – como gostavam de chamá-los em referência a um jogo que tanto Nathan quanto Lisa conheciam da infância e trazia como protagonista um palhaço, figura bem próxima à imagem que tinham do colega – haviam escutado falar daquelas aulas, por descuido. Assim como todo o restante da escola havia escutado falar sobre a banda Bee Are. Fora inevitável no início; o assunto ia e vinha, as músicas eram lançadas até o primeiro EP finalmente sair por completo e deixar de fora algumas das preferidas dos dois, o que causara uma grande discussão em um intervalo. Mas eles haviam aprendido a lição ultimamente.

Tinham a casa um do outro para conversar e as aulas para aprender melhor o português, pedir que a professora traduzisse o que não conseguiam sozinhos: vídeos de péssima qualidade, pequeníssimos trechos de música que eles cantavam na língua em que eram nativos e postagens cheias de abreviações no MySpace. Nem sempre conseguiam deduzir qual era a palavra por trás das muitas consoantes seguidas: pq, tbm, qnd. E ainda havia os acentos aos quais não estavam acostumados e que podiam fazer uma palavra virar outra num passe de mágica, mas muitas vezes seus músicos favoritos decidiam não usar.

Não tinham muita amizade com os outros alunos, e Nathan sempre havia dito que Lisa tinha sido enviada por algum tipo de anjo da guarda para salvá-lo do ensino médio. Era um ano mais velha, poderiam nunca ter se encontrado pelos corredores entre as dezenas de turmas de cada série, mas havia acontecido logo no primeiro dia de aulas dela por ali. Uma camiseta estampada em casa com o nome de uma banda que nenhum dos dois deveria conhecer – porque o resto do mundo nunca parecia ter ouvido falar dela e, afinal, na época ela ainda tinha um único single lançado – e eles haviam se procurado em todos os intervalos que se sucederam.

Nathan mal podia esperar para que o ano letivo terminasse, embora um outro fosse começar da mesma maneira após as férias de verão. Ao menos teria Lisa para compartilhar os dias de calor e não precisaria se importar com a perseguição de Matt e o grupo de amigos que ele havia feito desde que Rafe fora embora, quando ainda tinham doze anos.

Era graças a todo aquele cuidado que ninguém mais na escola sabia que sua professora de português – escolhida a dedo após muito pesquisarem e descobrirem que a língua falada em Portugal não cumpriria bem com a finalidade das aulas – havia retornado ao Brasil já na semana anterior para algumas semanas de descanso, o que fazia com que os planos para aquela tarde fossem completamente diferentes.

Eram três horas quando pegaram um ônibus destinado ao endereço da última gravadora sediada na cidade, a que haviam deixado para o fim porque não havia qualquer indicação de que ela se interessaria pelo estilo de música que a Bee Are tocava. O emocore estava começando a dominar as rádios, e Nathan e Lisa não haviam ignorado o fato de que muitas pessoas que haviam rido deles, um ano antes, agora gostavam de bandas muito semelhantes à sua preferida. Ainda assim, a Pryor Records não tinha um único álbum que desse a entender que estaria disposta a investir nesse mercado. Qualquer música daquelas poderia desaparecer tão rapidamente quanto havia escalado para o topo das mais pedidas.

Tá brincandoWhere stories live. Discover now