Capítulo 4

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CHRIS

Christopher sentia os olhos arderem quando desembarcou no aeroporto de Guarulhos após uma viagem de dezoito horas; não todas elas no mesmo voo, com certeza, mas a soma era o bastante para deixá-lo zonzo. Não era a pior que já havia feito, mas uma das mais longas a trabalho. Principalmente quando o trabalho em questão o levava diretamente a um terreno instável.

— Tudo bem?

Ele não aguentava mais ouvir aquela pergunta desde que haviam deixado Vancouver, no dia anterior. Controlou o impulso de bater com a mochila em Joey antes de jogá-la no ombro. Não tinham malas despachadas para esperar, então podiam furar um pouco de fila para passar pela imigração, o que era sempre um bônus em qualquer viagem.

— Eu tô bem — respondeu por obrigação enquanto arrastava a maleta de bordo corredor abaixo. Não era mentira, mas nem por isso era uma verdade. Joey parecia saber.

A assinatura daquela banda desconhecida, inclusive, estava no topo da lista de motivos que levariam qualquer um que o conhecesse bem o bastante nos negócios a crer que havia algo errado. Ele podia bater os pés o quanto quisesse com os números que aquele garoto, Nate, lhe dera, mas não convenceria ninguém de que era por isso que estava investindo em uma banda daquele gênero sem ao menos ter mencionado alguma vontade de fazer isso até então.

Em seguida, havia aquela viagem a dois, tão dispendiosa. Nenhum dos representantes da gravadora costumava viajar em conjunto; ele, muito menos. Mas então lá estavam Christopher e Joey, os dois profissionais com a agenda mais cheia de todo o prédio, embarcando em uma mesma missão. Christopher não negociava banda nenhuma; assinava os papéis e liberava o dinheiro, mas procurar estúdios? Sorrir para músicos novos e garantir que poderiam fazer um bom trabalho juntos? Responder perguntas inacabáveis sobre procedimentos? Conversar com fãs que sentavam no hall do prédio por toda uma tarde? Não era apenas Joey que sabia não ser seu estilo.

Ele próprio reconhecia que não era, embora lutasse para acreditar que estava apenas em um desvio de rota, buscando uma chance de fazer algo diferente e conhecer um país novo. Então por que não tinha ido sozinho? Poderia fazer de olhos fechados qualquer coisa que Joey tentasse, certo? Bem, talvez não, precisava admitir. Estava um pouco enferrujado após alguns anos atrás da papelada; mas, por mais dificuldade que tivesse, sempre teria preferido gastar com a viagem de apenas um deles. Só que viajar sozinho era o mesmo que não ter companhia. E não ter companhia era o mesmo que ficar em casa.

Então, por mais que as perguntas insistentes de Joey o atormentassem, precisava respirar fundo se não quisesse deixar escapar qualquer coisa que preferisse nunca confirmar. Confirmar apenas, porque não era bobo de imaginar que Joey já não desconfiava de tudo em seus olhares de soslaio – os quais fingia não perceber. Não eram amigos, mas ele era o mais próximo de um que Christopher tinha, depois de tantas horas enfiado no trabalho por tantos anos, que já nem saberia dizer quantos. Então precisava ser bom o bastante para uma aventura longe de casa.

A garota que os esperava do outro lado do portão de desembarque tinha uma placa com o nome da gravadora em uma mão e o celular na outra. Mascava um chiclete como se sua maior preocupação no dia fosse fazer bolhas e estourá-las. O baque entre a temperatura do ambiente climatizado e o vento frio que vinha do lado de fora o lembrou de que era inverno em São Paulo. Não chegava a menos de dez graus, como era na maior parte da estação em Vancouver, mas arriscaria dizer que estava em torno de quinze.

As pernas descobertas dela indicavam que não se importava demais com isso. Por outro lado, ela usava um casaco grosso, que cobria os shorts. A bota de camurça ia até os joelhos, e o rabo de cavalo alto deixava os fios curtos espetados para todos os lados. O delineado pesado nos olhos era tão preto quanto o cabelo nitidamente tingido, que chegava a brilhar azul sob a luz fria.

Christopher arriscou um sorriso ao reconhecê-la. Achou engraçado que andasse por aí exatamente como se arrumaria para uma sessão de fotos de divulgação da banda, que era apenas de onde a conhecia.

Então ela olhou para cima.

E ele reconheceu de imediato a sensação na boca do estômago.

O modo como a garganta foi ficando estreita.

Sabia o que era quando parou de andar a alguns passos de distância. Talvez toda aquela ideia tivesse sido péssima. Ainda dava tempo de pegar o voo de volta, naquela mesma noite. Podia deixar Joey por lá. Não teria qualquer problema com isso – soube assim que o colega se adiantou para cumprimentá-la, o deixando para trás.

Mas então já era tarde. Emily se virou em sua direção outra vez e lhe estendeu a mão. E ele sabia também como aquilo começava, quando sorriu em resposta e a cumprimentou com a falta de jeito característica de quando se encontrava naquela situação. Ajeitou a alça da mochila no ombro e ficou em silêncio enquanto a seguia para o estacionamento. As perguntas dela sobre a viagem entravam abafadas em seu ouvido; o sotaque leve, ritmado e confortável.

De tudo que ele sabia sobre relacionamentos, a principal coisa era que não queria se jogar em um assim. Especialmente quando a outra parte dele estaria no extremo oposto do continente. Mas, um minuto depois, já estava tudo perdido. A expectativa dos próximos dias brigava com a racionalidade para ver quem, na queda de braço, iria sair vencedora e dormir ao seu lado naquela noite.

Tá brincandoWhere stories live. Discover now