Capítulo 6

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JONNY

João ergueu os olhos quando escutou uma gargalhada fora de hora. Aparentemente, a Pryor Records tinha planos muito maiores para eles do que apenas a assinatura de um contrato. Fazia dias desde que Christopher e Joey haviam desembarcado em São Paulo sem qualquer sinal de que estavam apressados para voltar a Vancouver. Dali a alguns minutos, de barriga cheia do churrasco que a gravadora estava pagando para todos eles naquela terça-feira boba, iriam conhecer o estúdio que haviam alugado para que começassem a gravar oficialmente um CD. Com o primeiro single definido, estavam correndo contra o tempo para lançá-lo nas rádios da América do Norte, sem ao menos saberem o motivo da pressa.

Não haveria problema nisso se aquela outra situação não estivesse saindo de controle. Também fazia dias que não conseguia reconhecer o comportamento de Emília. Com a mão na frente da boca, deveria ser a quinquagésima segunda vez que ela dava risada de alguma coisa que ele não entendia. Não era Christopher quem havia feito a piada sem graça; João não sabia quem fora ou ao menos se lembrava do comentário, já um segundo depois que ele passara tão desinteressante pela mesa. Nada disso parecia importar para a irmã – ou para Christopher, que, se não havia sido quem fizera o comentário, ao menos era quem estava com os olhos em cima dela e um sorriso frouxo no rosto.

— Vamos indo? — Joey sugeriu após receber de volta o cartão que o garçom lhe entregava.

João ainda estava de olho na irmã quando se levantou após um último gole no refrigerante e escapou pela lateral da mesa. Nunca havia sido o tipo do cara que controlava com quem ela saía, ou que se preocupava com como ela tinha um dedo absurdamente podre para escolher entre os pretendentes disponíveis, mas o fato de aquele ser o dono do dinheiro do qual dependiam o incomodava a ponto de fazê-lo correr para fora do restaurante. Precisava tomar um pouco de ar antes que verbalizasse qualquer comentário sobre aquilo que ninguém estava falando – e aí, sim, poderia colocar todos eles em maus lençóis.

Cruzou os olhos com os de Paulo, em silêncio, e passou a andar na direção do estúdio, que ficava a apenas alguns quarteirões de distância. Às suas costas, a voz de Emília soava incessantemente. Não queria prestar atenção ao que ela estava dizendo, mas era impossível não perceber como apenas ela falava. Christopher era um cara quieto; João sabia que ele estava dando mais atenção para ela do que deveria, e era por isso que ela nunca calava a boca, mas pessoalmente não gostava de como toda a conversa parecia uma via de mão única. Não importava se era o jeito dele. Lá estava aquele sentimento que sempre o acometia quando ela aparecia com alguém novo em casa; e, bem, ele nunca havia errado na primeira impressão.

O amigo tirou o celular do bolso pelo que pareceu ser a centésima vez na última hora, checou o horário e o devolveu em silêncio; os olhos à frente, distantes; os braços cruzados sobre o estômago, como se segurassem a sensação de ansiedade antes que ela formasse um buraco fundo nele.

— O que tá rolando? — perguntou com um erguer de queixo. Era como costumavam se comunicar: um gesto que, na cabeça dos dois, soava desencanado o bastante para não dar profundidade a nenhuma discussão. Quando precisavam tratar de assuntos menos rasos, davam voltas e voltas; normalmente não chegavam nele.

— Nada. Não sabia que a gente ia sair hoje e fiquei de bater um papo com o Nate.

João sentiu os músculos do rosto se torcerem em uma careta antes mesmo de entender o que havia acabado de escutar. Virou-se outra vez para o amigo e deu uma boa olhada de cima a baixo em sua postura. Os ombros altos, tensos; o olhar desatento; o sorriso escondido.

— Nate? — questionou com as sobrancelhas arqueadas. — O garoto de Vancouver?

— Nate, o garoto que você fez questão de enfiar no meio da banda? — o outro retrucou com a mesma expressão no rosto. O tom afiado sugeria que não entendia o motivo de estar falando daquele jeito.

— Ele quis ajudar. E ajudou. Eu não ando falando com ele por aí como se fôssemos amigos. O garoto tem doze anos.

— Ele tem dezoito anos!

João chegou a reduzir os passos com o riso nervoso que vinha do amigo, mas recuperou a velocidade para acompanhá-lo. Não podia ser sério que ele acreditasse nisso.

— Aquele garoto não tem dezoito anos, nem aqui, nem no Canadá.

— Cê tá sendo implicante demais com o cara que trouxe a gente até aqui. O MySpace dele diz que ele tem dezoito.

— Eu agradeci o cara o bastante, e você precisa necessariamente ter dezoito pra se inscrever no MySpace. Não quer dizer que ele tenha.

Pelo canto dos olhos, viu o amigo chacoalhando a cabeça em negação. Um sinal de que não iria cair em sua implicância. O problema era que não era uma implicância. Queria implicar era com o sorriso idiota que ele tinha na cara.

— Ah, dá licença, Paulo.

Fechou os olhos para apagar a imagem da mente e foi seguir Joey para dentro do estúdio. Afinal, ele era o único que ainda parecia ter a cabeça no lugar.

Tá brincandoWhere stories live. Discover now