Capítulo 21

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ATENÇÃO!

A partir deste capítulo, há SPOILERS do spin-off: Vai sonhando.

Você não precisa ter lido para acompanhar esta história.

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CHRIS

Christopher sabia não ser possível que ainda estivesse sentindo o cheiro dos pingos de café que haviam caído em seu sapato, mas estava com o aroma reconfortante de sua bebida preferida impregnado no nariz desde aquela manhã. Não fora sequer ele quem acabara com a camisa encharcada, mas uma lembrança sensorial fazia questão de acompanhá-lo pelo restante do dia. Um sorriso que não queria largar seu rosto junto com a imagem de um chapéu cinza no fundo da cabeça.

A Warped Tour parecia um festival mais animado a cada ano que passava, quase animado demais a ponto de que ele não conseguisse acompanhar. Vá, não era que ele desgostasse daquelas músicas – embora preferisse outros gêneros – muito menos que fosse velho demais para fazer parte daquilo, mas costumava se sentir mais cansado do que os próprios músicos que via bebendo e fumando por ali, após alguns dias de viagem.

Sim, ele costumava ficar em hotéis e raramente acompanhava a turnê de ônibus, como a maioria fazia, pulando por todos os pontos em que ela parava. Não, ele não fazia isso por diversão ou porque era seu modo de sair um pouco do estresse que a gravadora lhe trazia. Estava ali a trabalho e precisava encontrar Joey antes do show daquela banda cuja recomendação havia chegado aos seus ouvidos.

Aproximou-se do palco onde a bateria com os dizeres Virgin Boys já estava montada. Pela programação, eles deveriam entrar em menos de cinco minutos, e o colega que havia carregado consigo para dar uma olhada nela estava desaparecido pela última hora. Não era que ele não pudesse se divertir – muito mais do que Christopher conseguia fazer naquele ambiente – quando estivesse de folga, mas Joey nunca havia sido o tipo de profissional que se atrasava a um compromisso.

Abriu a portinhola de um espaço anexo ao lado da mesa de som e, assim que deu um passo para dentro, viu o homem que procurava sentado em uma cadeira improvisada em um canto. Cumprimentou os conhecidos e desconhecidos do mercado, que encontrou pelo caminho, e colocou a mão no ombro do colega para chamar sua atenção.

— Tudo bem?

Assim que Joey ergueu o rosto em sua direção, ele soube que não, então se posicionou de costas ao palco para ficar de frente para ele. Assim também conseguia tampar o sol que parecia incomodá-lo, sem óculos escuros naquele verão escaldante.

— Não sei, tô meio esquisito.

Christopher notou que ele tinha uma mão na cintura, como se estivesse segurando o rim. Ficou preocupado com a ideia de ser algo relacionado a isso. A pele levemente bronzeada de seu rosto estava mais pálida do que já havia visto, e ele tinha olheiras, além de a boca estar levemente branca.

— Vem, eu te levo pra um hospital.

— Não, tem a banda... — ele negou de pronto, chacoalhando a cabeça.

— Então eu fico, vai você.

— Acho que só devo ter comido alguma coisa que não devia.

— Anda, Joey — insistiu antes que ele encontrasse outra justificativa para ficar.

O homem começou a se levantar então, sem tentar a negativa pela terceira vez, até porque devia estar doido para sair dali.

— Eu só vou pro hotel descansar um pouco. Se não melhorar, passo na enfermaria.

Nisso, Christopher já não podia se meter. Joey era um homem crescido. Se não se via em um hospital, então não poderia fazer com que ele visitasse um.

— Vai. Eu te digo o que achei, a gente conversa disso depois.

Ainda estava olhando Joey se afastar quando a música que tocava nas caixas de som cessou para dar início ao show. Observou o colega se dirigir à saída do festival e, quando o perdeu de vista, não conseguiu se virar na direção do palco.

A voz que adentrou seus ouvidos, livre dos instrumentos que começariam apenas no segundo verso, não apenas o segurou travado no lugar. Era agradável, macia, chegava a confortá-lo. A nota que ela alcançava, que embalava o público para que a bateria desse o primeiro giro da noite, chegou a assustá-lo. Não estava preparado para ela. Fez com que sua nuca se arrepiasse de uma maneira que nunca havia sentido em um show ao vivo. E ele havia encarado aquela profissão exatamente porque era apaixonado por shows ao vivo quando mais novo.

A banda já devia estar na metade da música quando ele conseguiu parar de escutar repetidamente aquela primeira frase dentro da cabeça, ecoando por todos os cantos, dando curto-circuito em algumas das suas sinapses. Aquela banda tinha que ser deles. Podia ir embora agora, nem precisava ficar pelo restante do show. Não queria saber quantos cliques eles tinham em um fã site ou quantos ouvintes colecionavam no MySpace. Aquela era a próxima banda que assinaria.

Então parou de frente para o palco. O garoto que cantava já não era o mesmo de antes. Era o baixista, de cabelo bicolor. O guitarrista parecia uma criança quicando em um canto. E então ele descobriu de quem era a primeira voz quando o refrão recomeçou.

Era do garoto atrás do teclado. Do garoto debaixo do chapéu.

E Christopher sabia perfeitamente quem ele era. Mas não havia sensação alguma na boca de seu estômago, como costumava acontecer. Sua garganta não estava começando a tampar. O vocalista dos Virgin Boys não era como William. Não era como Emily.

O vocalista dos Virgin Boys era um baita soco no meio de sua cara, e daquela vez ele estava pronto para separar o Christopher que queria assiná-lo do Christopher que queria descobrir seu sobrenome. Conhecer Calvin, o garoto em quem havia entornado um copo de café pela manhã, já não era o bastante para ele.

Tá brincandoWhere stories live. Discover now