Capítulo 5

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NATE

Se tinha uma coisa que Nathan gostava mais do que qualquer outra, em todo o mundo, era a possibilidade de abrir a janela do quarto e respirar um pouco de ar fresco. Ele podia fazer isso no inverno? Sim. Era doido o bastante? Jamais. Era por isso que as férias de verão o acolhiam de um jeito que o fim do ano nunca faria.

Lisa havia ido embora algumas horas antes, direto para um churrasco chato que sua família faria naquela noite de sexta-feira. Havia insistido para que ele fosse junto, mas era seu primeiro fim de semana livre – não como se agora todos os dias não fossem parecer longos finais de semana, de qualquer forma, mas seu subconsciente dizia que ainda estava se recuperando do último trimestre de aulas. Queria ficar em casa, de pernas para cima.

Era exatamente o que estava fazendo após tomar um banho e se sentar à frente do computador na escrivaninha do quarto. Os pés apoiados nela, o teclado puxado sobre as coxas, um esforço imenso para alcançar o mouse sempre que precisava usá-lo – e não precisava muito. Havia encontrado uma entrevista antiga com a Bee Are em um site brasileiro e agora lutava para traduzi-la e postá-la no seu. Estava deixando as partes mais difíceis e as palavras que precisaria pesquisar para depois.

Foi quando se esticou para alcançar o mouse e acessar a internet que percebeu que havia uma mensagem nova no MySpace. Num geral, seu perfil não era muito movimentado, mas sempre havia aquela leve parada cardíaca que vinha junto com a esperança de ser uma mensagem de Jonny; e então uma arritmia a seguia, enquanto o coração voltava a bater destreinado ao descobrir que, sim, desta vez era isso mesmo.

O perfil da Bee Are, comandado por seu integrante preferido, o baterista, havia lhe enviado uma mensagem apenas alguns minutos antes. O texto era curto, o que em outro momento teria causado um pequeno desapontamento, mas naquele se tornou uma taquicardia quando encontrou o nome do vocalista no final. Era a primeira vez que conversava com ele.

Nate, estamos precisando testar um vídeo ao vivo para fazer um anúncio importante. Não conseguimos acessar a internet em dois computadores ao mesmo tempo. Se importa de dar uma ajuda? Se estiver por aí, me adiciona no AIM? xpaulbarone

Paul

De um pulo que quase o fez jogar o teclado no chão, correu para fora do quarto atrás do pai.

— Me empresta seu celular? Eu preciso ligar pra Lisa.

— Desliga a internet.

— Não posso desligar a internet, tô fazendo uma coisa que é muito importante.

Com um riso contido em frente à televisão, a falta de resposta do senhor Leblanc lhe soava como um sim. Correu até o escritório no andar térreo e tentou o telefone da casa da melhor amiga o que lhe pareceu uma centena de vezes: duas. Quando teve certeza de que ninguém o atenderia, adicionou Paul no AIM. Ele ficou online no mesmo instante.

Com o celular pressionado entre a orelha e o ombro, continuou as tentativas enquanto mandava uma primeira mensagem:

Oi, Paul. Tô tentando falar com a Lisa pra te ajudar. Ela sabe melhor do que eu.

Sabia mesmo. O dia do aniversário dele, sua comida preferida, as tantas vezes que havia se machucado e lhe causado todas as cicatrizes que já tinham aparecido em vídeos, o nome do irmão, o nome dos pais, as histórias de infância. Lisa era como uma biógrafa particular de Paulo Barone, embora ele não tivesse ideia disso. Até porque, de toda a banda, Paul era o único que nunca havia tentado contato com o site canadense. Até Emily, algumas semanas atrás, havia vindo agradecer-lhes pela entrega de todos os CDs.

Paul, não. Paul, o vocalista, parecia sempre bom demais para conversar com eles. Ocupado demais, famoso demais. Nathan realmente achava que ele era. Todos os três, toda a Bee Are. Uma banda famosa com que tinha a sorte de conseguir conversar. Mal podia imaginar a quantidade de mensagens que eles haviam recebido antes de encontrarem a sua na caixa de entrada. Que sorte a de Nathan ter um site sobre eles; senão talvez nunca tivesse sido destaque no meio dos outros fãs.

E essa fama toda o fazia ter um pouco de mágoa de Paul. Poxa, ao menos um oi? Nunca, nunquinha? Precisava admitir que, entre todos, ele era o que menos gostava, mas suas reclamações nunca pareciam afetar o tamanho do amor que Lisa sentia por ele. Lisa, que tinha certeza de que estariam casados dali a alguns anos; ela poderia trabalhar para eles numa lojinha de merchandising após um show, sem cobrar nada, só para estar por perto. Porque ela era mesmo incrível, então Paul só precisaria reconhecer isso e se apaixonar em algum momento. Precisava apenas de uma chance.

Então, agora que o senhor famoso finalmente havia aparecido, não parecia justo que fosse Nathan a conversar com ele. Ou vê-lo pela webcam.

Ah, é só um teste. Não tem problema.

Nada de Lisa. Por um, dois, três minutos. Então parecia que já havia feito Paul esperar por tempo demais. Quando clicou no link que ele enviara, o vídeo começou a carregar e a conexão indicou que sua câmera estava sendo acessada também. O único tempo que teve para fugir da humilhação de aparecer com o cabelo grudado na testa foi o de pular para cima do boné ao lado do monitor e jogá-lo sobre a cabeça. O pijama que usava já era constrangedor demais.

— Ah, merda! — Um jeito interessante de começar uma conversa, Nathan precisava reconhecer, mas acabou por sorrir sozinho quando viu Paul gargalhar do lado de lá da tela. — Eu fiz alguma coisa errada. Não era pra você aparecer, desculpa.

Nathan chacoalhou a cabeça para dizer que estava tudo bem, mas ficou em silêncio enquanto o via procurar algo, como se lesse instruções. Não queria desconcentrá-lo.

— Como você tá? Prazer finalmente falar com você. Jonny é um chatinho com o nosso MySpace — Paul continuava, no entanto, mais comunicativo do que jamais havia imaginado que ele fosse.

Nathan gostava de como ele quase não tinha sotaque enquanto cantava, mas falando era o mais evidentemente brasileiro entre os três.

— Ah, tô bem. Prazer falar com você também. Sabe? A Lisa podia te ajudar melhor — tentou outra vez, mas viu enquanto ele negava com a cabeça.

— Não tem problema, eu já vou resolver. Então, obrigado pelo site — ele ia puxando assunto, como se fosse perder alguns pontos em um jogo se deixasse a conversa morrer por alguns minutos. — O trabalho de vocês é muito legal. E pelos EPs também. Vocês não têm ideia de como a gente agradece por isso. — De sobrancelhas erguidas, ele continuou como em um pensamento alto: — Não têm mesmo.

— Não foi nada. Quer dizer, a gente fez o que pôde.

Ele assentiu mais uma vez, as sobrancelhas ainda paradas quase no meio da testa e um sorriso de canto, que deixava Nathan com os pelos da nuca eriçados em desconfiança:

— Com certeza fizeram.

Então o primeiro momento de silêncio. Nathan ainda estava olhando para como ele parecia concentrado do lado de lá, quando percebeu que agora seus olhos estavam parados em um só ponto da tela, enquanto ele sorria. Acompanhou o movimento que ele fez de apoiar o cotovelo na mesa e depois o rosto na mão, de modo que amassava parte de sua bochecha. E ainda demorou a entender que ele não estava mais procurando qualquer coisa que fosse, estava apenas o observando de volta.

Como um reflexo incomodado, Nathan esfregou o boné no cabelo para coçá-lo e se ajeitou com as costas alinhadas na cadeira.

— Foguetes — um comentário sorridente.

— Ah, cala a boca — a resposta pulou mais rápido do que desejava, e de repente estava sorrindo enquanto via a reação admirada de Paul, rindo um pouco demais da patada que havia acabado de levar.

De bochechas quentes, Nathan ajeitou a camiseta como se isso fosse fazer as figuras desaparecerem.

— Então, é, eu não sei o que fiz de errado — o outro concluiu. — Talvez tenha que esperar mesmo o Jonny.

— Que anúncio? — perguntou, por fim, e viu quando o rosto do vocalista foi ficando divertido e indeciso ao mesmo tempo. — Qual é... — emendou com uma risadinha curiosa.

Imaginou que isso só pioraria a situação. Pelo tanto que conhecia Jonny, sabia que ele alongaria o suspense por longos minutos agora que havia soado interessado demais. Mas quem conhecia Paul era Lisa. E, para Nathan, teria sido até sem graça o modo como fora fácil fazê-lo falar, se a frase seguinte não tivesse sido exatamente esta:

— Assinamos com a Pryor Records.

Não tinha nada de sem graça nisso.

Tá brincandoWhere stories live. Discover now