Capítulo 19

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NATE

O fim do ano havia penosamente ido embora, como se o castigo dos pais de lhe tirar o celular, o computador e impedir qualquer contato com Lisa também tivesse controle sobre a velocidade com que o tempo passava. Não tinha sequer como saber se a amiga estava muito brava com ele depois de escutar a mãe conversando com a dela ao telefone, contando todas as mentiras que imaginava terem acontecido no fim de semana. Nathan não tivera chance de lhe dizer nada sobre isso, porque ela não parecia querer que se explicasse, mas com um pouco de sorte a senhora Wood teria sido um pouco mais razoável.

A mãe o deixara à porta da escola, naquela manhã, como se houvesse alguma possibilidade de desobedecê-la e fugir da aula no meio do caminho, ou sair correndo após o término do dia para se enfiar em qualquer lugar que ela não autorizasse. Às vezes se sentia magoado com o quanto ela achava que era burro. Se fugisse, teria que voltar para casa em algum momento, não teria? Por que faria qualquer coisa que a deixasse ainda mais brava?

Sem encontrar Lisa pelos corredores, suas únicas companhias foram o mp3 com músicas antigas – já que nem havia tido tempo de transferir mais algumas para ele antes de ter perdido acesso a todo tipo de tecnologia – e as vozes escandalosas de Matt e seus amigos parecendo lutarem para romper a barreira que seus fones de ouvido tentavam criar. Não queria escutar nada que eles tivessem a dizer, mas isso raramente era um direito seu.

Fazia semanas, por Deus! Eles não podiam apenas superar o que quer que tivesse acontecido? Assim, quem sabe, ele pudesse também, com a ajuda de qualquer banda que não tivesse Paulo nos vocais.

Paulo. Nunca mais havia conseguido pensar nele com outro nome. Se ele achava que chamá-lo assim significava estar bravo com ele, então seria só assim que poderia chamá-lo desde aquela horrorosa tarde de domingo em dezembro.

Quando encontrou Lisa do outro lado do refeitório, no horário do almoço, parou com sua bandeja tremulando nas mãos e aguardou até que ela o visse. Mas, ao contrário do que havia acontecido na última vez que pisara no aeroporto da cidade, seus instintos estavam errados. Não saberia o que fazer se aquela explosão de seus pais levasse embora também a única amiga com que podia contar. Por sorte, Lisa estava lá para assegurá-lo mais uma vez de que não iria a lugar algum.

Sentaram-se sob sua árvore preferida. Preso no quarto pelas últimas semanas, até mesmo o vento gelado de janeiro parecia mais agradável do que estar dentro do prédio. Ainda tinham o bônus de que não estava chovendo. Lisa nunca se importava com o frio, então tinham quase todo o gramado para si; apenas um casal fugia dos olhos dos inspetores do outro lado do pátio, longe o bastante para cada um deles ter a privacidade que gostaria.

— Fiquei com medo de você estar de castigo também.

— Não todo esse tempo. — Ela ergueu os ombros e olhou ao redor. Não parecia com pressa para começar a comer. — Minha mãe não ficou feliz de a gente não ter contado nada e de ter bebido. Ficou dizendo que podia ter acontecido alguma coisa, mas ouviu tudo que eu tinha pra dizer. E perguntou também sobre as coisas que a sua mãe disse.

Nathan olhou para baixo, envergonhado do pouco que havia escutado. Usaram o quarto do irmão dele, como se realmente houvessem se dividido entre eles e ido para a cama com a banda. Ele nem via problema se tivessem mesmo ido, mas escutar o jeito como ela cuspia aquilo como se fosse a maior nojeira em que já havia pensado era dolorido.

— Ela acredita na gente, sabe? E gosta muito de você. Ela disse que sente muito por você estar num castigo tão duro. Eu tentei dar uns dias e ligar na noite de Natal, sabe? — Lisa continuou assim que abriram os sanduíches. Nathan tinha certeza de que a cara dela de falta de apetite era o reflexo exato da sua própria. — Sua mãe atendeu e disse que você não podia receber ligações. Mesmo no Natal. Então eu avisei pro Jonny.

Nathan ainda estava abrindo a boca para responder que o Natal havia sido justamente o pior dia de todos, como se ela houvesse sido possuída por algum espírito ruim procurando um hospedeiro fácil no meio de todo o fa-la-la-la-lá amoroso da época. Cortou o pensamento ao meio quando mordeu o sanduíche para aproveitar o queixo caído em confusão. Assim ganhou mais alguns segundos enquanto mastigava, na tentativa de dar sentido ao que a amiga dizia, sem sucesso.

— O que tem o Jonny?

— Ah, ele veio perguntar no MySpace por que você não tava respondendo às mensagens e aí pediu o seu número.

De estômago fundo com a ideia de Jonny se preocupar a esse ponto, Nathan desistiu de vez do sanduíche sem graça. Embalou-o de volta no papel filme e abriu a limonada rosa para talvez assentar a sensação de náusea.

— Ele pediu? — confirmou só por não saber bem para onde seguir. Depois pareceu óbvio. — E disse o que queria?

— Não. Eu perguntei se era alguma coisa sobre o site, mas ele disse que só tinha estranhado você ter desaparecido.

Nathan quis sorrir, mas algumas conexões pareciam rompidas no meio do caminho; como se a sensação boa no peito não conseguisse fazer o trajeto garganta acima para vir brincar com seus lábios. Conseguiu apenas entortá-los e olhar para baixo.

— Acabou pra mim, Lisa — sussurrou com o choro bem seguro no nariz, o que apenas deixava sua voz mais desafinada do que já julgava ser. — Nunca mais vou conseguir ouvir uma música deles. Não com a voz do Paulo.

A amiga não objetou. Nathan tinha medo de que perdessem o único ponto em comum que os enlaçava daquele jeito tão forte, então entenderia se ela tentasse convencê-lo do contrário. Mas ela não se atreveu a dizer que iria passar, ou a falar sobre o futuro do fã site naquele momento; se limitava a empurrar o sanduíche para dentro, com um nariz torcido que dedurava o tamanho de seu desânimo.

— O que aconteceu no banheiro, Nate? — perguntou por fim, erguendo os olhos para os seus. — Ele não quis me contar.

— Você perguntou pro Matt?! — Nathan não gostaria de ter gritado com ela daquele jeito, mas imaginar que o garoto ficaria com mais aquele gostinho de vitória era frustrante. Não queria se sentir traído pela melhor amiga também.

— Não?! — Ela arregalou os olhos. — Eu perguntei pro Paul. Quando ele voltou dizendo que você tinha mandado ele cair fora, em português, e o Jonny ficou rindo como se fosse a melhor piada do dia, eu quis saber o que aconteceu. E aí ele me perguntou se você tinha seguido ele pro banheiro, porque não tinha acontecido nada, mas a cara dele pareceu que tinha sido mesmo alguma coisa ruim. Então eu não quis mais ficar. Fui embora logo depois.

Nathan se arrastou pela grama para se encostar ao lado dela no tronco da árvore. Estava tão cansado que manter as costas eretas parecia um tremendo desafio. Ainda mais falando sobre aquilo, que só fazia seus ombros quererem encolher. A lembrança dava saudade de sua cama, da coberta que havia puxado para cima do rosto por dias para abafar o choro para longe dos ouvidos de quem cruzasse o corredor.

— Eu entrei no banheiro, e ele tava quase em cima do Matt. Eu não fiquei olhando, só fui embora.

A amiga hesitou por um segundo, como se lutasse para não acreditar. Quando se deu por vencida, embalou o final do próprio sanduíche e ficou em silêncio. Nathan aproveitou para olhar o casal do lado de lá do pátio. No fim das contas, não tinha ideia de como eles se sentiam, porque se apaixonar tinha sido a pior experiência pela qual já havia passado.

— Eu não vou pedir pra você parar de falar dele, ou escutar ele, ou manter o site. Eu só não consigo. Não agora.

A amiga largou a bandeja no chão, por fim, ao lado da sua. Ele se desencostou da árvore quando a sentiu passar um braço por suas costas. Deitou o rosto no ombro dela e, ali, soube que não tinha mais como lutar contra as lágrimas que vinha segurando desde que vira o rosto estupidamente bonito de Matt pela manhã.

— Vai passar — ela garantiu enquanto acariciava seu braço como nunca havia feito. Pela primeira vez Nathan se sentiu cuidado. E era um péssimo lugar para ser atropelado por esse sentimento. — Vai ser um ano melhor, eu prometo.

Ele assentiu, com os dedos enxugando as bochechas. Porque, se duvidasse disso, então estaria mesmo perdido.

— Feliz dois mil e cinco, Lisa — tentou com a voz difícil, o nariz já todo entupido, e ganhou um beijo na testa.

— Feliz dois mil e cinco, Nate.

Tá brincandoDove le storie prendono vita. Scoprilo ora