Capítulo 10

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JONNY

Toronto, Montreal, Quebec, Ottawa. Faltavam shows em apenas duas outras das maiores cidades do país, mas o número reduzido de apresentações era também a maior turnê de sua história. Seis arenas de tamanho que João nunca havia esperado esgotar no Brasil, quiçá em outro país. Mas era verdade, e, embora nenhum deles ainda acreditasse no que estava acontecendo, o clima no camarim sugeria que poderiam se acostumar com isso.

Enquanto puxava o cabelo loiro-escuro para cima e terminava seu topete bagunçado com um spray fixador, pousou os olhos em Emília, com quem compartilhava a penteadeira, sentada numa cadeira logo abaixo da nuvem de gel que havia acabado de fazer. Escutou-a tossir de maneira exagerada e teve o impulso de rir da brincadeira; para não dar o braço a torcer, deixou a reação divertida escapar apenas como um sorriso de canto.

— Você vai com essa cara de doze anos aí? — questionou para tirar o foco do riso que segurava, assim que reparou no penteado que ela havia escolhido. Os cabelos tingidos de preto, que a deixavam mais pálida do que já era naturalmente, presos em duas mexas, uma de cada lado da cabeça. Só não era uma maria-chiquinha porque se pareciam mais com coques, cujas pontas lisas se espetavam para todos os lados.

— Cuida da sua vida — ela rebateu sem muito interesse.

Andava de fato difícil fazer isso. Com ela desaparecendo ao lado de Christopher a cada oportunidade e Paulo grudado no celular com aquele garoto, Nate, João poderia dizer que estava preocupado com qualquer coisa, menos sua própria vida. Ela andava como sempre, daquele jeito lento em que gostava de guiá-la: sentando em um canto da sala e observando todo mundo passar. O problema era que o fluxo que via parecia todo errado.

Aproximou-se da irmã quando ela se levantou para vestir o casaco que havia separado para o show. Ele tinha uma série de cintos de couro, que o fechavam desde o pescoço até a barriga, e João já havia visto Emília lutar uma dezena de vezes contra ele diante do espelho sem nunca oferecer ajuda, mas aquela era uma noite diferente. Virou-a de frente para si e começou a lidar com a fivela mais abaixo, perto do abdômen.

— Você vai me contar? — arriscou o mais sutilmente que pôde; os olhos nunca chegando aos dela. Se a garota quisesse fingir que não havia escutado, lhe daria esse benefício.

A resposta demorou a vir, mas não chegou com menos sinceridade do que João esperava da gêmea.

— Gosto muito dele, mas não tem nada rolando. Eu queria, mas não tem.

— E por que não tem? Ele tá te...

— Ele não tá nada, Jonny — ela interrompeu antes que pudesse ao menos encaixar a pergunta na cabeça. — Ele tá sendo profissional. A errada sou eu.

João estreitou os olhos, mas aceitou a resposta e decidiu ficar em silêncio. Não achava que mantê-la por perto sem encostar nela fosse tão diferente de encostar nela de vez. A única diferença que via era que, em um dos casos, ela voltaria para casa com aquela paixão platônica pesada no peito. Mas Emília nunca seria Emília sem uma paixão platônica pesada no peito.

Uma batida à porta. Cinco minutos, um grito de aviso vindo do outro lado.

Paulo pulou do sofá com tanta destreza que fez João se encolher onde estava, com a impressão de que o amigo havia voado em seu ombro. Quando olhou direito para constatar que ele ainda estava longe, viu em seu rosto um par de sobrancelhas unidas em diversão.

— Tá assustado por quê? — ele provocou.

— Porque você tá quicando desde que a gente chegou na cidade — rebateu com mais implicância do que gostaria.

A resposta que mereceu foi Paulo fazendo caretas enquanto mexia a boca para imitá-lo resmungar. O amigo ainda tinha um olhar que dedurava estar de saco cheio dos comentários sobre isso quando esticou a mão aberta em sua direção. João fechou o punho com um suspiro rendido e o colidiu com a palma de Paulo. Esticou a mão aberta para irmã, que o cumprimentou com o mesmo soco antes de abrir a outra mão para Paulo bater. E lá estavam eles indo em direção à porta, após o cumprimento da sorte.

Paulo recebeu a guitarra e o microfone no meio do caminho. João ouviu os sons de teste que ele fazia com a boca, mas era como se não estivesse escutando mais; após alguns dias, havia aprendido a se concentrar nas baquetas, que recebeu em seguida. Ergueu os pontos para os ouvidos no momento em que um dos roadies encaixava a correia da keytar nos ombros de Emília.

Quando o som de duas palmas seguidas soou pelos alto-falantes sobre o público, foi o primeiro a correr para o palco. A sensação era indescritível e também um pouco difícil de cair no costume. A gravação ao fundo se preparava para dar a segunda sequência de palmas, mas já era abafada pelos gritos da plateia quando Emília correu até seu microfone. Ele se ajeitava na bateria. Agora só faltava Paulo. E, mesmo com o ponto no ouvido, torceu uma careta para suportar a quantidade de barulho que viria em seguida.

E, embora cada show fosse particularmente único, algumas coisas nunca mudavam. A energia canadense não variava demais de uma cidade a outra, e todas elas gostavam demais do vocalista.

O diferente agora, em Vancouver, era como, no meio da primeira música, lá de trás na bateria, teve a certeza de que Paulo estava procurando alguém na grade. Sentiu vontade de provocá-lo, dizer que havia encontrado primeiro. Mas estava ali, preso, assistindo ao que aconteceria em seguida.

Nate estava aos prantos, mas não na frente do pedestal onde Paulo encaixou o microfone para poder tocar a guitarra, após cantar a primeira palavra do single mais famoso. Na verdade, estava com Lisa bem no centro do palco, e João deu uma piscadinha quando percebeu que ele estava olhando em sua direção. Então reparou que Paulo parou de procurar. Um sorriso de Lisa, ao lado do menino, indicou que ao longe o vocalista havia mexido com ela, embora o amigo não lhe desse a atenção que ele devia querer.

Paulo a ganhou apenas no fim da primeira música, quando saiu do microfone e foi até lá, feito o bocó que era, entregar uma palheta para cada um dos donos do Bee Are Canadá.

Tá brincandoWhere stories live. Discover now