Capítulo 7

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NATE

tinha todas as músicas já lançadas pela Bee Are em seu mp3, mas era como se escutá-las sempre que quisesse não tivesse a mesma mágica que ser surpreendido pelo novo single na rádio. A música havia inundado a maioria das estações de Vancouver como uma enxurrada que nem ele nem Lisa jamais teriam esperado. Já a conheciam de outros tempos, mas havia algumas modificações em trechos pequenos, e a qualidade também era muito melhor do que a do EP. De repente, o senhor do mercadinho ao lado de casa sabia cantá-la quando ela tocava, e pessoas de suas turmas com quem nunca haviam conversado a tinham como música tema do perfil no MySpace.

Enquanto andava para a escola, tudo que queria era ouvi-la mais uma vez antes das aulas começarem. Era indescritível o sentimento de escutar uma música terminar e de repente ser atropelado pela primeira palavra a cappella na voz de Paul, antes de os instrumentos o acompanharem também. Não achava que ele tinha a melhor voz do mundo, mas nos últimos tempos ela vinha aquecendo seu coração, em contramão com a ideia de voltar àquela escola horrorosa.

Era o que estava fazendo quando o garoto que esperava alcançou seu ouvido com um grito que era quase um gemido. Não era muito bem uma surpresa – Nathan já esperava ouvi-lo o dia todo por aí –, mas gostava de quando isso acontecia em momentos perfeitos como aquele. O inglês de Paul era ótimo, mas vinha aprendendo a reconhecer, sim, que ele tinha algum sotaque nas músicas. E isso era adorável, não um problema.

Então vestiu-se com o escudo que a Bee Are vinha lhe dando pelo último ano e cruzou os corredores como se estivesse em um videoclipe. Nunca havia se apaixonado daquela maneira que a música sugeria – o que sentia por Jonny era platônico e não lhe trazia de verdade qualquer esperança –, mas conseguia sentir como era estar apaixonado por alguém, mesmo que não houvesse um alguém. E a dor gostosa que isso trazia, junto com a espera para que um dia finalmente pudesse acontecer, era tudo o que precisava para fugir da realidade de entrar naquela sala de aula outra vez.

A sensação boa não durou muito quando a primeira coisa que viu foi o grupo de Matt sentado sobre as mesas das últimas fileiras. Primeiro reconheceu o símbolo listrado nas costas da camisa de um deles; depois o nome da banda exibido no meio do peito do antigo melhor amigo. As aulinhas de português; aquela banda ridícula; ele acha que os caras sabem quem ele é; a fantasia adolescente de Nate e Lisa – escutou a voz irritante de Matt vindo incomodá-lo dentro da cabeça, antes de também alcançar seus ouvidos:

— Sem camisa e tudo. Não, o outro, o Jonny. Ele é uma delícia. Eu vou guardar aquele print de tela pra sempre.

E aquilo não deveria tê-lo magoado tanto quanto o magoou. Durante todo o primeiro período de aulas, Nathan se perguntou por que aquele garoto maldito ainda estava na escola; depois como era que, de repente, a Bee Are havia caído no gosto dos amigos dele; e chacoalhou a cabeça para si mesmo uma dezena de vezes. Se o que sentia por Jonny era platônico e desesperançoso, era porque sabia que ele não gostava de garotos. Vinha conversando com ele havia meses; nenhuma vez ele havia sugerido que ligassem a webcam, ainda menos para tirar a roupa daquele jeito. Mas a imagem doía, por mais mentirosa que soubesse que ela fosse.

Foi assim que se encolheu para lacrimejar no ombro de Lisa enquanto deixava seu almoço intocado. Do meio das lágrimas, partiram soluços que gostaria que ninguém escutasse; mas, como de praxe, havia gente demais trancada entre aqueles muros durante o intervalo.

Não teve certeza do motivo que o fez partir do fim das aulas diretamente para a Pryor Records, após engolir o choro e lavar o rosto para não dar a Matt o gosto de vê-lo daquela maneira. Para sua surpresa, a secretária telefonou para Christopher assim que o chamou pelo nome; e o ocupado Chris Pryor o recebeu pela porta no fundo do hall em menos de dez minutos. Mal teve tempo de colocar os fones de ouvido e torcer para que o single da Bee Are viesse acalmar a sensação ruim que carregara dentro do estômago por toda a manhã e o início da tarde.

Descobriu que não sabia o que dizer assim que ele deu a volta e foi se sentar atrás de sua espaçosa mesa de madeira. Nathan acomodou-se na cadeira logo em frente e respirou fundo. Precisava de qualquer desculpa para justificar a visita, mas ficou em silêncio ao perceber que Christopher não estava esperando por uma. Juntou as sobrancelhas enquanto o via se inclinar até o pé do gaveteiro que ficava às suas costas, e em seguida arregalou os olhos quando uma caixa de CD veio parar em sua frente.

— Toma. Acho que vai gostar.

Em vez de pegar a caixa nas mãos, como ele sugeria, decidiu gastar um segundo para entender o que estava acontecendo. Ele havia guardado aquilo para caso aparecesse de novo? Inclinou-se sobre a mesa, por fim, e puxou o CD para perto. McFLY, dizia em letras amarelas acima da imagem de quatro garotos equilibrados no que pareciam ser estacas de madeira.

— Pra mim? — perguntou ainda, com um riso confuso enquanto erguia o rosto para ele outra vez. A resposta devia ser tão estúpida que agora, sim, tudo que ganhou foi um sorriso contido. E fixo. Lá estava a espera pela desculpa que ainda não tinha encontrado. — Obrigado — emendou de supetão. — É que eu percebi que nunca vim agradecer por você ter me escutado, então era só isso mesmo. Eu vim agradecer, não quero te incomodar.

Christopher chacoalhou a cabeça enquanto o observava com o mesmo sorriso tranquilo.

— Você é parte da equipe, não é? Quer dizer, eles te conhecem, te mandaram até aqui. Eu não vou te expulsar do escritório.

Nathan baixou os olhos com uma risadinha sem graça. Não, não era. Apesar de conhecê-los, não tinha aquela ideia maluca de que fazia parte de qualquer coisa; não era o tipo de garoto que Matt e seus amigos o culpavam por ser. Embora, veja bem, agora fossem eles quem estivessem espalhando histórias mal contadas por aí.

— Ah, eu só fiz o que pude.

Christopher assentiu outra vez e demorou ainda um segundo, mas tirou de dentro da gaveta embutida na escrivaninha um papel que mais se parecia com um cronograma rabiscado, feito à mão. No instante seguinte, ele estava posicionado diante de seus olhos.

— Então continua. Tá aqui sua exclusiva.

Nathan passou o minuto seguinte tentando entender para o que estava olhando. Havia datas para o mês de dezembro acompanhadas por cidades. A única coisa em que conseguiu pensar o fez erguer o rosto com mais pressa do que teria escolhido; o mau jeito trouxe a sensação de que uma veia havia acabado de estourar em sua nuca, esquentando num estalo o sangue que corria até o topo de sua cabeça.

— São datas de turnê?

O grito que não conseguiu controlar quando Christopher balançou a cabeça colocou o homem para rir e fazer um "shh" constrangido, de olho na porta. Pela primeira vez, Nathan não se importou. Pulou para fora da cadeira e deu a volta na mesa. Abraçou o dono da gravadora pelo pescoço e beijou o cabelo dele o que pareceu ser uma dezena de vezes, enquanto tudo que ele fazia era rir e esfregar de leve a palma da mão em seu antebraço. Percebeu como ele não usava os dedos para isso, como se fosse ser o que diferenciaria aquele gesto de consolo infantil de um toque íntimo demais.

Saltitou de volta até o outro lado da mesa e recolheu as coisas que ele havia lhe entregado. Caminhando de costas para a porta, perguntou ainda:

— Podemos marcar uma entrevista quando eles estiverem aqui?

— Eu vou falar com eles.

E, com um último salto, abriu a porta e a fechou ao sair. Abriu-a de novo quando percebeu que havia se esquecido das boas maneiras.

— Tchau!

E então outra vez quando não pareceu o bastante. Christopher agora voltava a rir.

— Obrigado!

Não esperou a resposta antes de correr para fora da gravadora.

Precisava chegar em casa e ligar para Lisa. Precisava chegar à escola e esfregar aquele papel no nariz de Matt até esfolá-lo.

Não que fosse. Ele merecia não ficar sabendo da turnê por um bom tempo, a não ser que usasse seu site para se manter informado. Otário.

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