Capítulo 20

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JONNY

Um contrato com uma gravadora dos Estados Unidos e outra brasileira. João estava em contato com Lisa para que o site canadense continuasse a liberar as informações antes mesmo dos anúncios oficiais, já que ele parecia ter se tornado a fonte mais confiável de notícias da banda. Às vezes nem mesmo precisava chamá-la no MySpace para ver notícias postadas, o que devia significar que a equipe do Bee Are Canadá estava em contato com Joey – provavelmente Christopher já teria saído do jogo àquela altura.

Terminando de instalar o computador no apartamento novo – que não era exageradamente mais caro do que o outro, mas ficava em um bairro mais próximo dos lugares aonde gostavam de ir e permitia que Paulo se instalasse em um quarto de verdade –, aceitou de bom grado que Papai Noel houvesse chegado atrasado daquele jeito, mas que ao menos tivesse se lembrado de vir. A mudança chegava em boa hora, o sucesso também.

A última coisa com que gostaria de se preocupar agora era como estavam dessincronizados fora dos palcos. De repente, após a turnê, nunca mais havia conseguido se sentar com os amigos na sala e criar uma nova melodia, como antes. Paulo, que costumava ser o letrista, estava de cabeça vazia desde o Natal – feliz por agora ter janelas, tentando encaixar algumas peças de algo que havia quebrado dentro dele no fim do ano, lutando para que o vento que agora podia entrar no quarto não bagunçasse tudo de novo.

Devia ser o mesmo sentimento que havia trancado Emília dentro do dela por uma semana após o retorno de Vancouver. Mas Paulo não era como ela. Nariz empinado, a irmã estava pronta para dizer a todos que estava bem. Poderia compor, tocar e posar para qualquer revista que ligasse naquela mesma tarde. Uma desculpa bem ensaiada na ponta da língua: cansaço dos voos e confusão de fusos horários. Alguns dias no quarto e estava ótima. Não enganava ninguém, mas nenhum deles ousaria dizer qualquer coisa que a contradissesse.

— Como ela faz isso? — Paulo havia perguntado alguns dias antes, de cara enfiada em um pão de forma com requeijão, que era tudo que vinha se animando para preparar no café da manhã quando nenhum dos outros se dispunha a cozinhar para todo o grupo.

João não tinha aquela resposta. Quis dizer que ela era orgulhosa demais para só se dar por vencida, mas nunca tivera certeza de que era esse o motivo. Tinha a impressão de que a irmã vivia da dor. Sabia que precisaria engolir o punho fechado dela se esse pensamento se externasse por descuido qualquer dia desses, então se limitou a chacoalhar a cabeça.

— Cada um com seu tempo — testara a reafirmação mais vaga em que conseguiria pensar. Paulo deixara para lá.

Um bipe, o sopro da ventoinha, e ele soube que o computador estava pronto para uso. Foi buscar o violão no meio das caixas que ainda não havia tido coragem de desfazer e se sentou à cadeira giratória ruim. O próximo dinheiro que entrasse seria para trocá-la, era uma promessa.

Tocou algumas notas de músicas que haviam descartado quando decidiram as que comporiam o primeiro CD. Quem sabe assim tivesse uma ideia para algo novo? Talvez pudesse resgatar uma melodia, o que nunca parecia uma boa solução, mas era a única que tinha em meio àquele bloqueio grupal.

Fez todo o caminho que costumava fazer pelas redes sociais da banda, depois as suas pessoais. Terminou com um ofego surpreso criando um bico em sua boca. Nate havia dado sinal após mais de dois meses. Estava prestes a gritar por Paulo quando notou que a mensagem vinha para ele, não para a Bee Are.

Jonny,

Como você está?

Lisa disse que você pediu meu número para o Natal. Muito legal da sua parte fazer isso, uma pena eu estar de castigo eterno desde antes. Não tenho mais meu computador, então Lisa está tocando o site com a ajuda do Joey. Também não tenho meu celular, então dificilmente fico sabendo das coisas antes de encontrar com ela na escola. Minha mãe não deixa mais a gente se ver fora de lá.

Eu não sei por que tô contando tudo isso, porque é bem constrangedor ser um garoto de dezesseis anos de castigo. Mas acho que agora sou um garoto de dezesseis anos um pouco melhor em computação. Demorei alguns meses para conseguir desbloquear o MySpace no laboratório da escola, mas aqui estou eu. Esta pode ser minha última mensagem antes de eles descobrirem e bloquearem de novo.

Talvez eu esteja contando isso porque preciso ser sincero. Eu não tenho mais escutado as músicas da Bee Are. Mesmo se eu tivesse acesso em casa, eu acho que não faria mais parte do fã site. Obrigado por ter confiado em mim e por ter vindo tocar pra gente antes disso tudo acontecer. Eu só não consigo mais ouvir a voz dele, então Lisa provavelmente vai encontrar alguém para tocar o site com ela.

Como ele pôde? Eu nunca deixei claro, porque eu nunca tinha sentido nada assim antes e tava confuso, mas como ele pôde brincar com o que eu sentia e depois terminar com um garoto que só queria contar vantagem por aí? Não era óbvio? Eu precisava ter desenhado, ou pedido desculpas por não ser tão bonito, ou tão bem resolvido, e não ter calças apertadas para oferecer?

Como eu pude, antes de tudo? Como eu fui burro o bastante pra trocar a minha banda preferida por uma paixonite platônica? Por uma coisa que eu nunca vou ser capaz de deixar pra lá? Você era pra ser o meu amor platônico. E deu certo, não deu? Então por que teve que ser diferente com ele? Por que eu acreditei no que você disse pra Lisa e deixei isso bagunçar tudo que tinha em mim?

Eu não acho que um dia consiga perdoá-lo, mas tenho mais medo de não perdoar a mim mesmo. Eu sei que ele é seu melhor amigo, mas eu não queria ter me apaixonado pela primeira vez justo por um imenso cuzão. Eu não tenho palavra melhor para defini-lo depois do que ele fez, só ainda não encontrei uma definição para mim. Eu nem fui fã dos Backstreet Boys, mas ainda assim consegui acreditar que ia namorar o meu ídolo. Que estúpido.

Desculpa. Você provavelmente não quer ouvir nada disso. E eu agradeceria se você pudesse não comentar nada. Eu ainda confio em você, então seria o dobro pior imaginar vocês dois rindo de mim na sala de estar do apartamento novo. É, Lisa me contou sobre isso também. Eu fico feliz que as coisas estejam caminhando. Mande beijos pra Emily.

Com amor,

Nate.

João ainda estava pensando em como mandar beijos para Emília sem comentar sobre a mensagem com Paulo, quando baixou os olhos para as mãos. A melodia agressiva e melancólica que elas tiravam do violão extravasava distraidamente a angústia que tinha tomado conta de seu peito. Pulou para cima de um pedaço de papel antes que as notas se perdessem pelo ar.

Tá brincandoWhere stories live. Discover now