༺VI༻

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PENSILVÂNIA SÉCULO XV


ஜீ፝͜͜͡͡Precisaria de toda coragem possível.

Estava em frente ao túmulo onde jazia o corpo sem vida da minha mãe, sob a terra. Em sua lápide, estava escrito um verso da canção que ela cantava para mim todas as noites desde que eu era um bebê. Coloquei as rosas com cuidado sobre o túmulo. Rosas vermelhas. Eram as suas preferidas. Lembro-me de quando ela era ainda estava viva. A casa era cheia de rosas vermelhas em vasos caros. Meu pai fazia questão de trazer buquês e mais buquês para ela da cidade. Ela sempre as cheirava, aproveitando o perfume natural que emanava delas e as colocava na água para mantê-las sempre belas.

Já fazia cinco anos desde que ela nos deixara. Lembro do dia em que ela morreu diante dos meus olhos. Fiquei o tempo todo ao seu lado, enquanto o papai procurava por um médico que pudesse curá-la, no entanto não havia ninguém naquela cidade que conhecesse a sua doença. Ela definhou completamente. Eu segurava sua mão quando senti um aperto forte e logo foi se afrouxando. Olhei para o seu rosto e vi a vida se esvaindo completamente dela. Chamei por ela com a voz embargada e lágrimas nos olhos, mas nunca mais ouvi a sua voz novamente depois daquele dia. A última palavra que a ouvi dizer foi "eu te amo, filho!".

Quando papai chegou em casa, eu estava aos berros, chamando por ela. Ele nem sequer pôde se despedir dela. Seu corpo estático e pálido, já não armazenava nenhuma alma ali. Papai se aproximou de mim em urros de dor pela perda. Talvez ele sentisse naquele momento o mesmo buraco profundo que eu sentia. Com um de seus braços ele me abraçou, passando o outro braço sobre o ventre do corpo já sem vida da mamãe e chorou por muito tempo, compartilhando daquela dor tão profunda.

Depois da morte da mamãe, papai nunca mais foi o mesmo. Sempre via como mudava quando chegava em casa. Ele retirou todas as fotos dela da sua vista, pois deveria sentir doer no seu íntimo com a perda. Ele não a vira partir. Não se despediu dela, portanto ele não conseguia lidar com aquilo. Ele de certa forma ainda se reprimia para não viver o luto por ela. Podia ver a revolta em suas ações. Podia ver como havia se tornado um homem mais amargo. Mal o via sorrir quando estava em casa. De certa forma a nossa relação como pai e filho também esfriou, pois ele se distanciou de mim, já que o meu rosto o fazia lembrar de tudo o que havia perdido.

Eu era bastante parecido com a mamãe. Tinha cabelos castanhos como os dela e pele pálida. Possuía olhos escuros como os dela, além de lábios corados naturalmente. Meu nariz era afilado como a dela. Meu rosto era quadrado e minhas sobrancelhas cheias. Pelo menos algo do papai eu havia herdado.

Por mais que cinco anos parecesse muito tempo, para uma pessoa que sofre com a ausência de alguém que muito amou, sempre parece que foi ontem. Ainda podia sentir o seu abraço caloroso e seus muitos beijos estalados em meu rosto que ficava completamente marcado com seu DNA. Seu amor estava arraigado em mim, como uma raíz profunda que jamais poderia ser arrancada.

Ali, em frente ao túmulo dela, pedia alguma orientação. Se ela estivesse ali comigo, certamente me guiaria pela veredas da sua sabedoria para que eu pudesse fazer que o certo. Queria ouvir uma resposta dela, mas os mortos não falam, mesmo sabendo que naquele momento ela poderia me ouvir da onde quer que estivesse rezando para ela. Talvez nesse momento ela fosse o meu anjo da guarda a ouvir as minhas preces, clamando por uma luz.

Olhando para aquela lápide, desabafava todos as minhas frustrações depois que ela partira. Sabia que não obteria nenhuma resposta, mas certamente me sentiria mais leve ao sair dali. Quanta saudade eu sentia. Talvez se ela estivesse ali eu não precisasse me casar para agradar o meu pai. Minha mãe seria a minha intercessora para que eu pudesse me casar com a mulher que eu amasse, sem que papai ficasse uma fera. Quem falava por ele agora era a amargura, e a amargura poderia passar por cima da minha felicidade sem se importar com mais nada.

Papai precisava se agarrar à alguma coisa para não afundar em depressão, portanto se agarrou na sua riqueza para preencher o vazio que a mamãe havia deixado cravado em seu coração, mas não dava para curar uma ferida causada pelo amor sem amor. Sabia que durante o dia sua mente se matinha ocupada com o seu trabalho e seus amigos, porém à noite, tinha a certeza de que o vazio voltava ao ver o outro lado da cama vazia.

Ali, ajoelhado em frente ao túmulo da minha mãe, numa petição, pedia para me dar a coragem suficiente para enfrentar o meu pai e toda a sua angústia. Pedia para me dar a força que eu teria se a minha mãe ainda fosse viva. Queria a segurança para lidar com o problema que me aflingia há meses desde que fui obrigado a pedir a mão de Victoria em casamento. Queria a determinação para exterminar aquele problema e recuperar a minha liberdade. Tudo o que eu queria era o direito de amar e ser amado.

Tudo o que eu sabia era que não queria casar com Victoria. Mesmo não conhecendo a moça que vi na festa, sabia que sentia algo especial por ela. Sabia que qualquer outra mulher no mundo poderia me fazer sentir tudo o que eu não sentia por Victoria. Não era uma questão de beleza apenas, pois quando se ama verdadeiramente, a pessoa para quem entregou o seu coração, passa a ser a mais bela da face da terra.

Ao me levantar, senti um certo ardor em meus joelhos por ter passado tanto tempo sobre eles, mas havia valido à pena, pois eu me sentia mais leve. Meus problemas não tinham sido solucionados, mas agora eles pareciam bem menores de quando eu havia chegado ali. Mesmo não ouvindo uma resposta clara da minha mãe, somente a possibilidade de sua presença comigo, me dava forças para fazer tudo o que eu quisesse, como se ela estivesse bem ao meu lado.

Entre Almas [Livro 01]Where stories live. Discover now