Capítulo XXIV

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Teressa estava lá. Roendo as unhas, sentada na poltrona de veludo da salinha recôndita da ala sul do castelo, a área menos visitada.

Ela se levantou e sorriu com uma espécie de alívio ansioso ao ver Selene surgir no umbral da porta. A princesa foi cuidadosamente até a alfaiate. O cheiro almiscarado do lugar não pareceu tão aconchegante naquele momento.

— A saleta dos amantes — sussurrou a mulher, esfregando as mãos. — E estamos prestes a desarranjar casamentos. — A jovem sorriu, mas seus olhos não.

— Temos problemas maiores — disse, e complementou ao ver seu olhar: — Não vou te forçar a ter parte nisso, mas preciso saber se posso contar com sua ajuda.

— O quê? E-Eu... — titubeou a mulher. — Quão grande é... a questão? — Ela começou a umedecer os lábios nervosamente.

— Maior do que pode imaginar.

A cadência da respiração das duas era uma rima silenciosa. Selene não desviou o olhar, e Teressa também não.

— Tudo bem. O que preciso fazer?

O ar pareceu mais leve por um instante bem pequeno. Ela voltou para o umbral da porta e chamou todos os outros, que adentraram na sala pouco confortáveis e permaneceram unidos e meio encolhidos em um canto.

— Oh.

A alfaiate cambaleou até a poltrona na qual estava. Seu rosto parecia cera, e o sorriso deformado era como se estivesse derretendo.

                                    ཀ

Marylia acordou por causa dos pesadelos.

Lapsos deles vieram a sua mente como relâmpagos. O sangue, o príncipe, a fuga.

A noite estava arruinada. Suor molhava a camisola que usava e sua cabeça doía um pouco.

A Lua de Sangue podia ser vista de sua janela, ela a abriu e deixou a noite entrar. Sentia que estava virando uma de suas criaturas.

Ela pegou o pilão e o socador que escondia dentro do armário, algumas ervas que escondia embaixo do colchão, e uma jarra de água, e começou a trabalhar.

Ela tinha dez anos quando as bruxas que a criaram foram levadas à fogueira. Apesar de tudo, suas memórias não queimaram, e às vezes ela podia sentir os espíritos delas ao seu redor, protegendo-a.

Madres. — A brisa da noite soprou em seu rosto. Seu coração acelerou.

Mais rápido que antes, pegou um prato de barro, ainda meio sujo com pão, e espanou as migalhas para fora da janela. Encheu seu fundo de água e, finalmente, depositou as ervas ali dentro.

A primeira imagem que surge é fácil de decifrar: duas coroas; uma maior e outra menor. Pai e filho. A segunda é um pouco mais difícil: a coroa maior se dissolve e as ervas que antes a formavam se agregam à coroa menor. Transferência de poder? Não. A coroa se dissolveu e deixou... um rastro vermelho. Morte.

Marylia, trêmula e assustada, quase virou o conteúdo do prato pela janela. Porém não estava terminado.

Duas silhuetas se formaram, de mãos dadas. A água ao redor estava escura e turbulenta. Aquilo ela não conseguiu decifrar. Mas algo sussurrava no fundo de sua mente...

                                    ཀ

Teressa teve uma ótima ideia, e já a estava colocando em ação.

Caden ainda estava fraco demais e alguns dos feéricos foram bastante feridos, uma fuga imediata poderia colocar todos em risco. Por isso, Selene e Teressa decidiram que o melhor a se fazer era usufruir do conforto do castelo para cuidar deles antes de... darem o próximo passo.

— Já disse o quão lindo você fica de vestido, Caden?

— Obrigado, Finrod, mas agora não é hora para cortejos.

— Shhh! Garotos! — ralhou Deschia. Ela também estava com o vestido, ou melhor, uniforme do castelo. Era preto e cobria quase todas as partes do corpo. Como os dois eram altos, a barra da saia ficava pouco abaixo dos joelhos, ao invés de nos tornozelos. 

Teressa, por sorte, quase sempre tinha um uniforme, dois, ou até três em sua mala, pois costumava usá-los de modelo para produzir outros, e também porque Laelia vivia pedindo novos.

— Certo. O plano já está quase completo.— O plano era vestir Caden e Deschia como criadas, para que pudessem ir disfarçados até o quarto de Selene e pegar coisas que pudessem precisar. — Agora só precisamos de uma criada de verdade que tenha acesso às chaves da despensa.

Selene, que estava colocando as roupas encardidas na mala impecável da pobre alfaiate, teve uma ideia. Bem, a jovem não teve exatamente a ideia, na verdade, a ideia foi até ela.

Ali, no meio de maletinhas cheias de carretéis e agulhas, tecidos e fitas, estava um belo vestido de ponjê amarelo, com um cartão de identificação que continha apenas um nome: Anna. Ela o aninhou entre os braços e disse:

— Sei quem pode nos ajudar.

                                    ཀ

Eden não conseguiu voltar a dormir. A presença de Thalia ali era como uma vibração pulsante e magnética e, além disso, a Lua de Sangue e a morte de Tia Carmen não ajudaram a trazer o sono.

Ela esfregou os olhos e se levantou com cuidado para não acordá-la. Olhou para a cama de Kaleb no canto do chalé, ele também dormia como uma pedra.

Ao voltar o olhar para Thalia, a viu encolhida, com as cobertas meio caídas pelo chão, meio espalhadas pela cama. Ela a cobriu novamente, e algo esquentou em seu peito. De repente, sua própria cama pareceu longe demais, fria demais.

— Não estou com sono mesmo — sussurrou para si, sentando-se encostada na cama da garota. Surpreendentemente, o lugar foi confortável o bastante para atrair um sono calmo e relaxante num instante.

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Até a próxima 💖

O Encanto da LuaWhere stories live. Discover now