Capítulo XXVII - Início da Parte 3

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Selene, que havia cochilado ao lado da cama em que Caden e Deschia dormiam, acordou com a ansiedade se debatendo em seu peito como um pássaro preso em uma gaiola.

Ela não soube a causa daquele pico súbito de adrenalina, mas também não houve tempo para pensar sobre isso. Suas pupilas dilatadas olhavam diretamente para a tapeçaria de parede com camponesas banhando-se sob o luar. As pernas e braços da princesa moveram-se automaticamente, e, com um puxão, a peça veio ao chão. Anna acordou.

— Selene? — Ela nem mesmo se lembrou de chamá-la pelo título.

— Anna, pegue duas facas. Elas ficam na última gaveta.

A moça, que já se acostumara a obedecer sem explicações prévias, se levantou depressa e foi até a cômoda. Quando voltou, encontrou a garota debruçada em frente a um buraco gradeado na parede com pouco menos de um metro. Ela sentiu calafrios quando sua mão gelada pegou uma das facas.

— Enfie a ponta nos parafusos e rode para afrouxá-los.

— O que estamos fazendo?

— Abrindo uma passagem. — Um som enferrujado soou quando as duas desatarraxaram os objetos. Deschia acordou. — Se arrume, vamos embora já.

— Ah, não — gemeu ela, mas foi correndo colocar o vestido emprestado de Selene e guardar algumas coisas úteis numa bolsa de couro. — Caden ainda não tem nada para vestir, ele não vai morrer de frio, mas sair de calções por aí é meio... humilhante.

— Deschia, eu... — começou com um suspiro. Ela estava prestes a dizer que não podia fazer nada, porém se lembrou do presente de coroação não entregue de Telbeth. Calças, um gibão e uma capa. Serviria perfeitamente. — Tem uma caixa embaixo de minha cama com roupas grandes o suficiente.

A garota feérica foi correndo pegá-la e acordar Caden. Anna e Selene finalmente desparafusaram a grade da parede de pedra, abrindo uma passagem.

— Muito bem — disse Anna, apoiando as mãos nos joelhos. — Quem vai descer?

Os quatro se entreolharam. Ninguém queria se aventurar naquele buraco escuro, mas não podiam se dar ao luxo de passar muito tempo decidindo. Deschia, por fim, falou:

— Eu desço. Caden e Selene ficam. E Anna...

— Eu? Por que eu?

— Caden está acabado e Selene precisa ficar aqui e nos acobertar, caso alguém entre. E eu não vou entrar aí sozinha.

Selene quase suspirou de alívio, mas se segurou a tempo. Ela pediu que Caden, ainda sonolento e coçando os olhos, pegasse uma lamparina e a entregasse. Uma chama mediana e amarela brilhou quando o fogo da vela entrou em contato com o óleo.

Antes de dá-la para as duas, pegou um dos parafusos do chão e jogou pelo buraco. Ele caiu tinindo em menos de um segundo.

— Agora sabemos que não é um buraco sem fundo.

Deschia passou os pés pelo buraco e escorregou até o chão. Anna quase ficou presa e entrou em pânico, mas com uma leve ajuda conseguiu descer facilmente. Com cuidado, Selene passou a elas a lamparina e duas facas, depois disse:

— Andem pelo corredor, mas não se afastem muito. As passagens secretas podem virar labirintos se forem descuidadas.

Elas assentiram, e o arrastar de seus pés nas pedras começou. Caden terminou de abotoar o gibão verde-musgo e as calças escuras e saiu da cama, ainda tonto e grogue por causa dos remédios. Ele se olhou no espelho e murmurou:

— Ficou ótimo. Acho que vou precisar do nome do seu alfaiate.

Selene o olhou, os botões estavam trocados e sua camisa por baixo estava amarrotada e meio torta. Uma risada precisou ser contida quando ele dobrou, ou melhor, embolou as mangas da camisa numa tentativa de deixá-las com uma aparência mais apresentável.

— Vamos, me diga o que achou — pediu, dando uma meia-volta.

— Serviu, não é? — Quando ele revirou os olhos, ela acrescentou: — Não se esqueça da capa, lá fora faz frio.

— Frio é o menor de meus problemas. — Caden piscou e girou o pulso, e um floco de neve voou na direção de Selene.

— Você... — Sua voz se perdeu junto com o pequeno floco diáfano. Era a primeira vez que havia visto seus poderes.

— Gostou? — Ele uniu as mãos, e um anel articulado feito de gelo surgiu.— Tome. — Ele colocou a peça na palma hesitante da garota, que a testou em seu dedo indicador. Para sua surpresa, o objeto não era congelante, na verdade, possuía a temperatura de um acessório normal.

— Uau. Obrigada...

— Não há de quê. — Caden olhou ao redor, levemente desnorteado. — É impressão minha ou seu quarto está girando?

— Ah, céus. Acho que Deschia exagerou na dosagem. — Ela o colocou sentado na cama e, em seguida, abriu uma de suas gavetas e tirou um lápis e um livro pesado e irregular de dentro.

— O que é isso?

— Meu diário.

Quando a garota se sentou ao seu lado, Caden vislumbrou as páginas cheias de desenhos, rascunhos e textos. Ela folheou um pouco mais até parar numa espécie de mapa simplificado. Seus dedos sobrevoaram a folha por alguns instantes antes de finalmente rabiscarem duas linhas paralelas.

— Aqui é a passagem — disse, desenhando um retângulo. — Então elas devem parar no... Oh.

— Isso está me dando dor de cabeça. — Ele desviou o olhar da gravura, que continha representações dos túneis das passagens secretas do castelo. Todas elas convergiam num ponto circular no centro.

— Eu não tinha reparado nisso. As passagens... se completam.

Selene se levantou, pegou uma bolsa de couro e colocou o livro, mantas, um saco de ervas e mais adagas dentro. Por último, acendeu outra lamparina e disse para Caden ficar de pé.

— Vamos alcançá-las. Você precisa descer primeiro. — Ele inspirou fundo e fechou os olhos enquanto descia pela pequena passagem.

— Já disse o quanto odeio lugares apertados? — Sua voz ecoou nas paredes úmidas de pedra.

Selene suspirou e deu uma última olhada para o seu quarto. Talvez ela nunca mais voltasse, e esse pensamento trouxe uma espécie diferente de nostalgia.

Ela viu o primeiro raio da aurora atravessar as pesadas cortinas e soube que precisava descer.

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Finalmente, a Lua de Sangue acabou!

O Início da parte 3 começou! O que acharam?

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Até a próxima! ⭐️

O Encanto da LuaWhere stories live. Discover now