Capítulo VI

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Selene segurou a adaga com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos.

Todos os seus músculos retesaram-se, em pânico. Não conseguia sequer falar ou se mexer.

— O que foi? O gato comeu sua língua?

O senso de humor terrível do rapaz-gato fez com que ela desse uma risada ofegante e nervosa. Ele achou graça e, mentalmente, deu os créditos à sua piada estúpida.

— Eu não... O quê...?

— Vou te poupar da parte das perguntas. Meu nome é Kaleb e sou um homem-gato. E você?

A jovem arregalou tanto os olhos que eles poderiam ter saltado das órbitas. Um homem-gato?

Ei, garota quieta, eu lhe fiz uma pergunta.

— De onde você veio?— conseguiu dizer.

Que falta de modos...murmurou e, em seguida, estalou a língua.—Olha, eu estava ali no beco quando você passou.

Ela tentou engolir o horror, mas sua garganta parecia obstruída. Impulsionada pelo pavor e confusão, virou-se e saiu correndo na direção oposta do rapaz.

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Laelia era a mulher mais bela e misteriosa de todo o reino.

Isso porque poucos sabiam sobre sua origem, afinal, a beleza que possuía ofuscava qualquer outra característica. E ela devia sua vida a isso.

Os cabelos eram uma raridade. Prateados como mercúrio, líquidos como leite. Iguaizinhos aos de Selene, exceto pela cor, que puxara do pai. Feições perfeitas e angulosas. Um sorriso frio com dentes levemente pontudos.

E, é claro, seus olhos.

Enormes, brilhantes e intensos. Ninguém, nem mesmo sua própria família, conseguia fitá-los por muito tempo sem sentir uma espécie de hipnose irrefreável ou um terror subconsciente. Especulações, fofocas e até mesmo contos para assustar criancinhas foram criados em torno daquele grande par de órbitas abjetas. A verdadeira história por trás deles, porém, nunca era pronunciada, fosse por falta de conhecimento ou receio do pior.

Enquanto esculpia seu entalhe, relembrou a verdade secreta que a torturava todos os dias, a mesma verdade que agora inspirava versos de músicas populares. Ela sentia raiva do folclore, mas a raiva que sentia por si mesma era maior, e a forçava a permanecer quieta, escutando.

Ao terminar, pendurou a peça em um canto da parede iluminado por velas, e deitou-se ainda admirando-a.

Sua última visão antes de adormecer, foi a de uma mão ensanguentada entalhada na madeira.

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A garota não conseguiu correr até a pensão em que Marylia estava, suas pernas queimavam assim como os pulmões, devido ao esforço para subir o caminho íngreme. Ela parou e se recostou na vitrine de uma padaria fechada, ofegante e exausta.

— Não precisa fugir de mim— murmurou uma voz acima dela, no telhado. Como já esperava encontrá-lo, nem mesmo se incomodou em gritar ou correr.

Ela sacudiu a cabeça e expirou pelo nariz, se perguntado como ele a teria matado se soubesse sua verdadeira identidade.

Como se tivesse lido seus pensamentos, ele repetiu:

— Não precisa fugir de mim, Selene Delaney.

A jovem olhou para cima, o pânico tomando conta de seu corpo novamente. Seus pés agiram de forma independente, e ela cambaleou para trás.

— Você tem medo de mim?— perguntou, saltando do telhado. Selene se esquivou mais.— Medo de nós?

— Eu prometo que não contarei nada a ninguém, por favor...

— Não estou pedindo o seu silêncio. Fiz uma pergunta, e gostaria de receber uma resposta.

Ela se calou por um momento, o coração batendo rápido demais. Em seguida, assentiu devagar e se sentiu culpada por estar segurando a adaga com tanta força.

— Que ironia. Dias atrás os homens de seu pai incendiaram uma escola do vilarejo, e aqui está você, morrendo de medo de mim. É impressionante como os papéis se invertem.

Neste momento, o corpo de Selene amoleceu, e ela cambaleou por não suportar o propósito peso. A lâmina caiu no chão, tinindo.

— Ninguém morreu.— A voz dele estava baixa, grave demais e ela notou que suas palavras estavam longe de ser tranquilizadoras.

— Eu sinto muito.— Foi necessário um grande esforço para conseguir pronunciar a frase sem gaguejar.— Posso... ajudá-los, de alguma forma?— A culpa por ter negado os livros a Caden, de repente, começou a corroê-la.

Ele expirou, o rosto, antes zombeteiro, taciturno. Fez uma pausa longa antes de responder:

— Não sei.

A jovem respirou fundo ao tentar encará-lo. Seus olhos cor de âmbar, vazios e drenados de qualquer calor, fitavam o nada.

Ele se virou e adentrou um beco escuro. Quando sua silhueta desapareceu de vista, sua voz ressurgiu, envolta na brisa álgida, pouco mais alta que um sussurro.

— Não somos nós os monstros da história.

˚✧₊⁎❝᷀ົົཽ⁎⁺˳✧༚*・゜゚・**:.。. .。.:*・゜゚・*
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até a próxima!

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