Capítulo XIX

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Selene correu até a biblioteca, o lugar onde as passagens secretas de Blackburn se interligavam. Seu vestido esvoaçou ao seu redor, e ela quase tropeçou algumas vezes, mas se manteve firme. Quando passou pelos guardas, manteve a expressão despreocupada, e não se importou de dar satisfações.

Ela foi até a prateleira que ocultava a entrada recôndita e pegou a chave escondida. Lembranças de Marylia vieram à sua mente, e um sentimento bom e nostálgico apertou seu coração. Quando estava prestes a arrastar o móvel, ouviu um soluço. Seu coração disparou quando discerniu a voz de Dohan e percebeu quem ele estava acompanhando.

O medo a ajudou a pensar. Mesmo que conseguisse adentrar as masmorras, os guardas provavelmente a barrariam. Com um quase rei ao seu lado, sua autoridade teria um peso maior. Ela decidiu o que fazer em poucos segundos.

                                   ཀ

Balken agradeceu aos deuses pelo garoto feérico que haviam capturado. A presa certa, na hora certa. Quando entregaram-no aquele anel mágico, mil possibilidades pérfidas assolaram sua mente.

Ele queria vê-lo. Agora. Queria sentir o medo dele, provocá-lo enquanto ainda estava perdido e desesperado. Isso aliviaria a tensão de ter que entregar sua coroa para um filho errante no dia seguinte.

Com o anel do juramento em uma mão e anel do feérico na outra, ele saiu de sua sala.
                                     ཀ

Eles mal ouviram os passos na escada antes de se depararem com a silhueta fantasmagórica da pequena e silenciosa irmã do príncipe.

— Pelos deuses! Nós... Ah...— Dohan engasgou com as palavras enquanto observava Telbeth afastar-se dele com um pulo. — Oi, Selene...

— Príncipe Dohan.— Ela fez uma curta mesura. — Telbeth, preciso falar com você.

— Selene, eu... nós não...— Seu desespero era aparente. Suas lágrimas pareciam gotas de cobre à luz de velas.

— Não me importo com seus assuntos particulares. Eu preciso de sua ajuda.

Os dois respiraram aliviados enquanto a jovem puxava o irmão até uma prateleira aos fundos. Ela percebeu que ele tentava se recompor, fungando e passando a manga da camisa pelo rosto.

— Me leve até as masmorras — disse, prendendo-o à parede.

— Selene? O que diabos quer fazer nas masmorras?

— Meus assuntos particulares também não são de sua conta. Apenas me leve até lá.

Ele piscou, confuso, mas acabou cedendo. Com um olhar dolorido, passou por Dohan, e desceu as escadas.

Os passos na escada o acordaram do torpor. Ele moveu a cabeça pesada como chumbo para frente e encarou o Rei. A cela se abriu, e sua coragem foi substituída por instinto de sobrevivência.

Lutar contra os guardas foi inútil. Eles o tiraram dali e o arrastaram para fora como um saco de batatas. Uma exaustão fez com que suas pernas dormentes amolecessem, e seus joelhos vergaram. Ele foi arrastado por um bom tempo, até ser jogado em outra cela, mil vezes mais suja e nojenta que a anterior. Quando sua visão finalmente ganhou foco, ele olhou para as celas a sua frente, e estremeceu.

— Angrod? Indis?— Eles estavam ali. Os aldeões de Eridanus que haviam sido sequestrados. Ele quase sorriu, até ver as mãos esfoladas do homem e o corpo ferido e cheio de bolhas de sua mulher. — O quê...?

— Meu menino... — sussurrou a voz fraca de Indis. Angrod começou a soluçar.

— Que belo reencontro — disse o Rei, olhando para os prisioneiros. — Tornará o espetáculo muito mais... caloroso. — Ele fez um sinal para os guardas, que imobilizaram o rapaz no chão. As algemas de ferro foram substituídas por cordas apertadas, e as vertigens diminuíram. As grades de ferro ainda o sufocavam, mas era algo suportável. Os guardas pareciam mais tensos e preocupados.

O jovem prisioneiro tentou, em vão, acessar seus poderes. De repente, mais um guarda surgiu, segurando uma taça de ferro. Ao adentrar a cela, um cheiro ardente o fez lacrimejar. Ele o identificou imediatamente.

Era uma folha de fogo. O faria queimar por dentro. O líquido laranja e efervescente respingou em seu colo e ele chiou.

Não. Por favor.

Balken balançou a cabeça e sorriu. Os guardas o imobilizaram e abriram sua boca. Ele sentiu mil ferroadas em sua língua e puro fogo descendo por sua garganta. Uma tosse ininterrupta o acometeu e ele engasgou. Era como estar se afogando em chamas.

                                    ཀ

Quando não viu Caden nas masmorras comuns, Selene entrou em pânico. Telbeth olhou desconcertado para as celas, e em seguida para os guardas às suas costas.

— Onde está o prisioneiro recém-chegado?

— Vossa Alteza, ninguém foi preso recentemente.

Onde ele está?— sibilou a princesa. Os guardas engoliram em seco.

— Vão mesmo aborrecer o futuro rei?— Um estremecimento percorreu seu corpo, e a irmã se aproximou dele. Ninguém disse nada, porém.

— Um dia eles vão fazer vocês pagarem. — Ela olhou nos olhos do chefe da guarda e sussurrou. — E eu vou lutar ao lado deles.

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— Querida, é melhor voltar para dentro.

— Está tudo bem, Olga.

Uma carroça do castelo viera buscar os corpos dos guardas. A pequena multidão cochichava, e algumas pessoas olhavam pelas janelas.

— Quem pôde fazer uma coisa dessas?

— Aparentemente, um jovem rapaz — disse Matteo, juntando-se a elas. — Os taberneiros viram a luta. Alguns deles estavam tão bêbados que juraram ver os guardas serem mortos por estacas de gelo.

— Bêbados não mentem, Matteo.

— Você acredita mesmo nessa lorota, Olga?

— Você só não acredita por medo. A magia existe, ignorá-la não vai fazer com que ela desapareça.

A mulher voltou para dentro e o homem foi atrás, resmungando. Marylia permaneceu onde estava, observando o fino rastro de sangue escorrer pelas pedras frias da rua.

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O Encanto da LuaWhere stories live. Discover now