Capítulo II

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O salão principal estava repleto de gente.

A maior parte dos moradores do reino comparecia à Audiência no início do mês, então Selene era forçada a ficar sentada num trono por horas e horas até que todos fossem atendidos ou, como era frequente, enxotados.

— Atenção! Atenção!— anunciou o responsável pelos pronunciamentos.— O silêncio e a ordem são prezados e exigidos no castelo. A Audiência começará em breve.

Um burburinho baixo se espalhou pelo salão, o que era aceitável considerando o contingente de indivíduos que ali estavam.

A Audiência era um evento mensal, que procurava ouvir e atender os interesses da população. Como a família de Selene era a governante, ela, seus pais e seu irmão precisavam comparecer a todas as sessões.

De certa forma, a garota gostava das ocasiões, mesmo que fossem profundamente exaustivas. Elas davam mais vida ao lugar.

— Abra os olhos, Selene!— sussurrou a mãe, raivosa.

Obedecendo à ordem, arregalou os olhos e forçou-os a ficarem assim até que a mulher desviasse o olhar. A tinta escura que havia passado em sua linha d'água agia como uma cola potente.

Minutos depois, o evento começou. Uma por uma, as pessoas das quatro filas se dirigiam aos tronos, faziam uma reverência e, em seguida, seu pedido. Como ainda tinha dezesseis anos, a única tarefa que Selene exercia era anotar as reclamações e dispensar os pedintes, por isso sua fila era a mais vazia.

— Vossa Alteza, Selene Delaney.— cumprimentou um rapaz, sem realizar a reverência e olhando-a nos olhos.— Gostaria de fazer meu pedido.

— Prossiga— respondeu, estreitando o olhar.

— Meu vilarejo precisa de livros didáticos para a escola comunitária.

— E qual seria o vilarejo?

— Eridanus.

Selene perdeu o ar. Os Eridanus faziam parte do conjunto de vilarejos secretos que deviam ser combatidos por sua magia. Os vilarejos normais possuíam nomes de pássaros ou flores, mas aqueles que eram ilegais recebiam denominações a partir de constelações. Naquele momento, o adequado a se fazer  seria ordenar que prendessem o rapaz, para que posteriormente ele fosse enforcado em praça pública, porém a garota não conseguiu delatá-lo.

— Algum problema?— Sua insolência era nítida. Ela devia ordenar sua captura...

— Não— respondeu. A irreverência do jovem transformou-se, por um segundo, em surpresa.— Eu disponibilizarei os livros, mas você terá de pegá-los hoje à noite, nos fundos dos jardins do castelo. Venha só.

— E o que inspira tamanha confiança na senhorita?

— Você saberá se me testar.

Ele assentiu, desconfiado, e desapareceu em meio à multidão. Era prudente o suficiente para entender que ela não estava blefando.

O restante da audiência transcorreu sem maiores excepcionalidades. Às vezes Selene ouvia o lamento sofrido de um camponês inconsolável e sentia seu coração se apertar, mas ela tinha consciência da sua falta de influência, então apenas engolia em seco e atendia o próximo da fila.

Quando as imponentes portas do salão foram fechadas, Selene se permitiu relaxar um pouco. Pediu licença à sua família e dirigiu-se ao seu quarto. Já que a noite se aproximava, uma criada a esperava ao lado de sua banheira, que exalava um vapor aromatizado e relaxante.

Tudo foi feito em silêncio. Tanto silêncio. Aquele castelo parecia ter sido erguido com quietude e solidão.

Ela dispensou a criada um pouco mais cedo, a fim de se preparar para o encontro noturno. Separou as adagas que pretendia levar e algumas facas menores e as deixou escondidas em sua gaveta. Em seguida, saiu de seu quarto para ir até a magnífica biblioteca.

Era um pouco intimidador, mas ela teria de roubar livros da biblioteca de seu próprio lar. Não fariam falta, é claro, mas, se alguém descobrisse a finalidade do roubo, ela receberia umas boas surras.

Enquanto caminhava, Selene começou a se perguntar o porquê da confissão potencialmente suicida do jovem rapaz. Se tudo desse certo à noite, talvez ela perguntasse.

Quando chegou perto das portas, dois guardas robustos abriram-nas para que ela pudesse passar. A garota caminhou lenta e silenciosamente entre o labirinto de prateleiras até que um ruído esganiçado forçou sua parada. Logo depois, o estalar de um tapa ressoou pelo ambiente. Selene se encolheu e buscou minimizar sua respiração.

— Cale a boca! Cale a boca, serva imprestável!— Aquela era a inconfundível voz de Telbeth, seu irmão. Selene se aproximou.

Soco...— A moça tentou gritar, mas sua boca foi tapada antes que conseguisse terminar a frase. Ela começou a chorar.

— Você vai ver...— Ele começou a puxar seu vestido, como um animal.— Eu vou...

— Telbeth! O que pensa que está fazendo?— arquejou Selene.— Largue a moça!— Seu estômago estava embrulhado, ela não queria acreditar no que via.

Com um sobressalto, ele a soltou. Sua face estampava a mais cínica perturbação.

— Irmã? Eu só... não é nada...

— Saia daqui. Agora.

Ele rangeu os dentes e olhou com raiva para a moça, que apenas se encolheu. Quando passou por Selene, ela pôde sentir o cheiro enjoativo e azedo de bebida. Quis insultá-lo, gritar com ele, porém não conseguiu. Desviou o rosto e foi ao encontro da pobre criada.

— Está machucada?— A moça negou. Aparentava ter mais ou menos a mesma idade que Selene.— Qual... é o seu nome?

— Marylia— respondeu, a voz trêmula.

— Tudo bem, Marylia. Não se preocupe.— O que dizer para uma moça que acabara de ser atacada pelo seu irmão?— Quer que eu pegue alguma coisa para você?

— Se-Senhorita— gaguejou, as lágrimas começavam a voltar.— Não posso continuar aqui... não posso...

— Certo, vou encaminhar você para os seus aposentos...

— Não, não posso continuar no castelo! Me tire daqui... por favor...

Ela estava entrando em pânico. Parecia saber de algo mais, algo terrível. Selene refletiu por uns instantes antes de perguntar:

— Marylia, existe algum familiar seu que possa te acolher?

— N-Não, senhorita. Ninguém.

A garota quase estremeceu, mas se lembrou de algo que a deixou esperançosa.

— Eu... acho que posso arranjar um local para você. Me encontre aqui, na biblioteca, depois do jantar. Não se atrase.

A moça quase começou a chorar de novo, mas passos começaram a ressoar no assoalho, e as duas prenderam a respiração.

— É melhor nos separarmos.— Marylia assentiu, recompondo-se.— Vejo você mais tarde.

E então, antes que alguém pudesse testemunhar aquela interação incomum, Selene deslizou até a porta e saiu sorrateiramente.

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até a próxima!

O Encanto da LuaWhere stories live. Discover now