Quarenta e um

2.3K 249 166
                                    

— Me dá um motivo, só um Samuel. — ordenou, o maxilar rígido e o corpo tenso.

— Porque eu não trouxe você aqui para isso. — argumentou, apoiando o braço na janela do carro e esfregando o rosto por um momento.

— Tu não pode tá falando sério! Eu não vou deixar barato o que esse filho da puta fez!

— Toni, por favor!

— Não, Samuel! Porra! — exclamou, já estressado enquanto dirigia a picape, manobrando até estacionar no acostamento da rua movimentada.

O silêncio tomou conta do carro, os pressionando e deixando os nervos a flor da pele. Samuel apoiou a cabeça na mão direita e ficou olhando pela janela. Não era difícil deduzir no que estava pensando. A joalharia Classe A estava alguns metros mais à frente.

— Tu faz ideia do susto que tu me deu? Tu tava chorando por causa desse bosta! Chorando Samuel! Como caralho que tu quer que eu não faça nada?! Hein?! Eu não tenho sangue de barata!

— Eu não quero piorar ainda mais a situação, eu só quero ir lá, quitar a dívida e esquecer que um dia isso aconteceu.

— A gente já começa discordando por aí! Pra mim tu nem devia pagar por esse caralho desse relógio!

— Amor, por favor, eu estou pedindo por favor. Eu sei que esse relógio está lá em casa e não vou fingir que não está. Se eu tenho que passar por isso, eu prefiro que seja rápido e sem maiores complicações, mas eu não quero ir sozinho. Eu não estou confiando muito em mim mesmo agora.

Dizendo isso ele estendeu a mão esquerda, mostrando o quanto estava tremendo, afetado pelos desaforos que ouviu pela manhã. Ser xingado em outra língua foi mais ofensivo do que imaginou, se sentiu subestimado pela afronta, Leonardo julgou que não compreenderia suas palavras ácidas propositalmente ditas em inglês e estava ferido por essas ditas palavras apontarem de forma tão desrespeitosa sua deficiência. A sensação ainda era amarga e não queria repetir a experiência e o dono da joalheria parecia ser o tipo de pessoa difícil de lidar, que lhe afrontaria outra vez na primeira oportunidade.

Toni segurou a mão trêmula e beijou a ponta dos dedos, suspirando designado e pronto, estava rendido.

— Tá, beleza, mas o quê que tu quer que eu faça exatamente?

— Apenas não me deixe sozinho, eu preciso de um pouco de apoio moral aqui.

— Isso tu nem precisava pedir.

Assim que saíram do carro, o vento frio daquele clima atípico para um fim de novembro fez seus corpos arrepiarem por um momento. Samuel ajeitou a gola da camisa cinza mais para cima, era uma cacharrel de tricô que servia perfeitamente para cobrir as marcas roxas que o marido havia deixado no seu pescoço na noite passada e lhe proteger do frio. Toni deu a volta no carro ajeitando o gorro e subiu na calçada ao mesmo tempo em que enfiava as mãos nos bolsos do jaquetão esportivo.

— Que foi? — questionou quando o músico ainda estava plantado no mesmo lugar.

— Nada… só espero que corra tudo bem — desabafou baixinho, começando a se mover em direção a loja.

— Vai correr tudo bem se nenhum filho da puta inventar de tirar onda contigo, aí vai correr tudo muito bem. Eu só quero um motivo, só um Samuel, eu faço pessoal esnobe dessa loja de merda nunca mais esquecer de mim — ralhou, com os dentes apertado, caminhando com passos pesados ao seu lado.

— Toni, por favor… — implorou baixinho, parando em frente a joalheria.

Toni empurrou a porta de vidro e seguro para que o marido entrasse, o encarando de muito perto.

Segredo de FamíliaWhere stories live. Discover now