Capítulo Dezoito

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Samuel passou a mão no rosto, alongando o movimento, passando os dedos finos pelos fios loiros, afastando o cabelo da testa pela quinta vez.

Essas reuniões eram sempre cansativas, mas era algo que precisava fazer.

- Como já expliquei, foi uma emergência médica na família. Passei a noite toda no hospital dando apoio a um parente e não houve tempo para comunicar os pais sobre o cancelamento das aulas.

- O problema professor, é que os pais foram avisados sim, exceto um. Esse UM que por alguma razão foi excluído das suas responsabilidades fez uma reclamação a respeito da sua conduta e falta de profissionalismo.

- Obviamente eu preferia que nada disso tivesse acontecido, mas fiz tudo que estava ao meu alcance para não prejudicar os alunos - respondeu da forma mais calma que conseguiu.

- E os pais, professor, como ficam na sua lista de prioridades? Eles são os verdadeiros clientes aqui, que honram seus compromissos conosco e o mínimo que esperam é que façamos o mesmo. - em resumo, toda a conversa se tratava de dinheiro, isso era irritante - O pai dessa aluna nos relatou os transtornos que sua falta de compromisso e pontualidade causaram à família dele naquele dia. Ele ficou tão insatisfeito com o ocorrido que quase tirou sua filha da nossa instituição e isso seria uma terrível perda para nós.

Samuel sorriu, sem acreditar no que ouvia. Por mais bonito que o homem falasse, entendia muito bem as entrelinhas das suas falas polidas. Esforçou-se para manter a compostura e não piorar tudo, mas foi uma tarefa árdua, pois não tinha paciência para administradores avarentos e burocratas.

- Com todo o respeito, eu não sou babá. - o homem de cabelos brancos e ralos ficou espantado com a ousadia, mas Samuel prosseguiu mesmo assim, sempre com a voz serena - Sou músico e professor, especificamente nessa ordem. O pai da Ana a deixa no meu estúdio uma hora, as vezes, duas horas mais cedo, apenas pela conveniência do próprio horário, sem se importar com o que isso possa representar para os outros alunos, para mim e para a própria filha. Não é uma situação confortável para nenhum dos lados. Por tanto, não creio que a minha pontualidade seja questionável, quando ele é o primeiro a não cumprir os horários estabelecidos e acordados no ato da matrícula.

O homem ficou se remexendo na cadeira, mastigando resmungos sem conseguir responder aos fatos apresentados. Por fim pareceu se render quanto a essa questão, pois buscou os papéis na sua mesa e olhou-os com determinação.

- Há também a questão das mudanças no seu cronograma. Pelos dados que enviou na semana anterior, sua carga horaria diária dimuiu 25%.

- Sim, eu mesmo fiz os ajustes depois de entrar em contato com os pais. Todos concordaram.

O homem o olhou por cima dos óculos que pendiam na ponta do nariz, cético e tenso.

- Todos, exceto a instituição.

- A coordenação pedagógica aprovou os ajuses propostos e não há prejuízos para no aprendizado dos alunos.

- A coordenação pedagógica trata de questões pedagógicas professor - ressaltou o homem, como se Samuel fosse uma criança boba - Aqui nós tratamos de números e o problema professor, é que -25% na carga horaria diária é o mesmo que menos uma aula por dia. Ou seja, logo logo outro pai vai reclamar formalmente sobre a falta de compromisso dos nossos professores. Já que não estão cumprindo o horário que previamente foi estabelecido com eles.

Samuel olhou para aquele senhor mau humorado na sua frente e ficou se perguntando o que estava fazendo ali. Gostava de música, de criar, de ouvir, de tocar, de fazer, de ensinar. Por um momento se desligou da conversa, sua mente voou para longe, em pensamentos existenciais básicos. Se questionava o que estava fazendo naquele emprego, como acabou tão envolvido com algo que não era necessário para sua sobrevivência a ponto de levar bronca de um homem avarento por que foi socorrer um familiar num momento difícil.

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