Capítulo sessenta e sete

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O sol já descia no horizonte, pintando as nuvens de laranjado e rosa, quando Samuel mandou aquela mensagem.

Terminei aqui, você pode vir me buscar?”

Toni não se deu ao trabalho de trocar de roupas, mesmo que a sua camiseta desbotada estivesse suada e a bermuda suja de terra, afinal havia passado a maior parte da tarde empenhado na limpeza do quintal. O trânsito estava caótico e foi bom que o homem não estivesse com o carro, pois não conseguia imaginar ele lidando com os loucos atrás dos volantes na hora do rush. Quando chegou ao conservatório, os últimos raios de sol se apagavam e o céu já tinha ganhado um tom azul profundo e escuro.

Samuel desceu a escadaria com dificuldade, a julgar pelo modo como se apoiava na bengala de madeira envernizada, estava com dor. O terno slim cor de creme estava um pouco amarrotado depois de uma tarde inteira em uma extensa reunião, mas continuava conferindo elegância e tinha uma boa sobreposição com a camisa branca.

Talvez fosse pelo horário, costumava pegar ele sempre ao pôr do sol, mas havia um pouco de nostalgia em ver ele abrir a porta e sentar no banco do passageiro.

— E aí brother, como foi lá? — cumprimentou, observando o homem acomodar a perna devagar.

— Estressante, para começar, vou precisar do Isaac — contou, dando a entender que existia a possibilidade de processar o conservatório pelos direitos ao seu projeto.

— Caralho!

— Caralho mesmo, estou de saco cheio dessa administração arbitrária. Modificaram tudo para obter ganhos financeiros impróprios — contou, passando a bengala para o banco de trás e colocando o cinto de segurança.

— Diacho — rebateu, dando partida e fazendo o carro se mover no estacionamento.

— Eu deixei de lecionar aqui, pelo que aconteceu com a Ana e o relógio, minha saúde estava muito ruim também, você lembra! Só que em nenhum momento eu deixei de pensar nos alunos do projeto social, eles realmente precisam dessa assistência para ter acesso aos instrumentos e aprender mesmo, realmente, música! — reclamou, mais expressivo do que normalmente seria.

— Que foda, amor — comentou, sem saber como argumentar.

— Eu não entendo o que essas pessoas tem cabeça. Estávamos tratando de crianças e adolescentes, em estado de vulnerabilidade social. Sabe quanto custa um violão elétrico? Um piano de cauda? Uma guitarra? Como podem cobrar valores por um programa gratuito? Taxa de inscrição, taxa de manutenção dos instrumentos, mais taxas para participar dos eventos do conservatório? Isso é estúpido e arbitrário, sem falar nas inconsistencias contábeis.  — questionou, se recostou no banco e fechou os olhos, se permitindo um momento de silêncio, onde domava sua revolta daquele jeito tirânico que usava consigo mesmo.

— Tipo, assim, não tô defendendo eles, nem nada, só tô colocando uma questão aqui, tipo, eu sei que é um projeto social e tal, mas isso precisa ser custeado por alguém, né? As taxas não são pra isso? — apontou, tentando entender o problema.

Para sua surpresa, o homem riu com sarcasmo e irritação, ainda de olhos fechados.

— Eu estou financiando todo o projeto desde a concepção até hoje, mesmo que não tenha mais vínculo empregatício direto com o conservatório, eu continuei fazendo os repasses mensais, porque eu estava preocupado com o acesso e manutenção dos alunos do programa. A ideia era fazer o programa ser reconhecido, como de fato é, e conquistar patrocinadores a partir desse ano, para que o alcance do projeto fosse maior e chegasse a novos públicos a partir da logomarca. Só que eu deixei toda a questão burocrática e marketing com o conservatório, porque eles garantiram que já estavam adiantados nisso. Era uma parceria simples, eu continuaria financiando o projeto piloto, com todos os custos e eles continuariam cedendo a infraestrutura. Quando eu saí, já tínhamos dois professores que faziam dez horas extras mensais, com o projeto e um professor voluntário.

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