Trinta e Sete

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Samuel olhou pela janela enorme, encarando o céu alaranjado, o sol já quase totalmente escondido na linha do horizonte. O dia foi especialmente ensolarado e bonito, contrastando totalmente com seu humor frio e pesado. Seu rosto não mostrava nada além da costumeira expressão vazia e olheiras, mesmo que ninguém percebesse, sua mente estava um caos.

Já era terça-feira e não foi capaz de dormir nem três horas seguidas desde domingo.

— Professor, o senhor pode entrar agora — anunciou Amin, sempre com o sorriso educado no rosto, lhe arrancado dos seus pensamentos analíticos frios e impiedosos.

Samuel não estava propenso a conversação então apenas agradeceu com um aceno, atravessou as portas duplas de vidro liso e entrou na sala de coordenação pedagógica.

Mesmo depois de todos esses meses sem entrar ali, o ambiente continuava do mesmo jeito que se lembrava, móveis cinza e azul, paredes brancas, muito bem iluminado pelas janelas enormes.

Darlene estava sentada atrás da sua mesa como sempre, o terninho azul estava impecável e era até bonito, mas contrastava com os cabelos alaranjados e um pouco arrepiados.

— Oi querido, senta por favor — pediu, sorriu em seguida mas acabou suspirando como se estivesse exausta.

— Bom dia.

— É muito bom ter você de volta, espero que tenha conseguido descansar bastante.

— Eu estou bem — garantiu, sem vontade nenhuma de se aprofundar no assunto.

— Que bom querido, me desculpe pedir que ficasse até essa hora, mas eu preciso te perguntar, uma vez você comentou que recebe muitos presentes dos alunos... certo?

A primeira reação de Samuel foi erguer as sobrancelhas.

— Sim. Eu sempre recebi  esse tipo de coisas.

— De quem? — instigou, realmente concentrada.

— Eu não sei Darlene, não é apenas uma pessoa.

— Por acaso, a Ana é uma dessas pessoas? — questionou absolutamente séria.

— Sim, ela costuma deixar coisas na minha mesa — Samuel passou a mão na nuca, desconfortável com o interrogatório súbito — Cartas manuscritas, doces caros, daqueles que vem bem decorados em caixas especiais e cartões

Darlene deixou as sobrancelhas caírem  um pouco e sorriu fraquinho e desanimado.

— Eu tinha medo que dissesse isso.

— O quê aconteceu?

Darlene se recostou na cadeira, tentando parecer mais confortável, mas falhando miseravelmente, tirou os óculos e esfregou os cantos dos olhos com os dedos.

—  Tem uma doceria no centro da cidade, não se você conhece, se chama Serena — ela falou quase como se estivesse pedindo desculpa.

Samuel enrugou a testa, pois o nome era muito familiar, mesmo que não lembrasse porque.

— Já passei em frente algumas vezes, mas nunca experimentei comprar doces lá — comentou por alto.

— Pode ser que você nunca tenha comprado lá, mas isso não significa que não tenha provado os doces. Veja bem querido, os donos dessa doceria são nossos clientes, eles têm um contrato de prestação de serviço conosco, são os pais da Ana. Isso explica os doces caros e os cartões, certo? Apesar de cada mísero bombom daquele lugar valer o preço do ouro praticamente, pelo que eu entendi não há nenhum problema que a Ana retire bombons da loja, são apenas bombons.

Segredo de FamíliaWhere stories live. Discover now