Quarenta e quatro

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— Eles tão muito interessados em fazer um acordo.

O volume do notebook estava baixo, por isso a voz do advogado soou distante.

— Eu já esperava por isso. Fizeram alguma proposta? — perguntou tranquilamente ainda olhando os papéis na sua frente.

— Sim, senhor, mas não acredito que seja do seu  interesse. Tendo em vista que se trata de uma dispensa discriminatória, todos os eventos que antecederam o fato e o valor irrisório que a academia está oferecendo, a proposta chega a ser ultrajante, afinal estamos falando de assédio moral.

Samuel enrugou ligeiramente a testa e inclinou um pouco a cabeça.

— Tão ruim assim? — questionou, se concentrando no rosto do advogado na tela do notebook.

— A pior que já vi em toda a minha carreira. Eu não tenho certeza se eles entenderam a gravidade da situação.

O modo assertivo e decidido como ele falou, junto com a expressão séria e ligeiramente desgostosa trouxe uma importância a mais àquelas palavras. Especialmente porque Isaac foi rápido, ele não pensou ou escolheu palavras.

—  Você acha que eu deveria ouvir essa proposta?

— Em resumo, ofereceram mil reais em cima da rescisão contratual de novecentos e quarenta reais e cinco centavos e voltariam atrás com a dispensa por justa causa.

Samuel permaneceu impassível por um instante, apenas porque aquilo era absurdo de mais para ser verdade. Isaac não estranhou sua apatia, afinal o conhecia há quase quinze anos, apenas aguardou em silêncio, enquanto processava a informação. Por fim, o músico se moveu, tirou o óculos do rosto e esfregou o canto dos olhos com os dedos, no que seria o momento mais expressivo que o advogado testemunhava em todos aqueles anos.

— Isso foi ofensivo — comentou, ligeiramente aborrecido agora.

— Sinto muito, mas é a proposta inicial.

Samuel se recostou na cadeira, sério e mau humorado, encostou a ponta do óculos na boca, apenas pensando em toda a situação por um minuto inteiro.

— Por que exatamente você precisava da minha atenção? A proposta inicial não é nem mesmo interessante. — questionou enfim, resignado.

— Antes de fazer o primeiro contato, eu analisei o dossiê e olha eu tenho que dizer, um dos mais detalhados que já me enviou. A maior parte do capital está investido, desde reformas a aparelhos de última geração e segundo o relatório do seu contador é um investimento a longo prazo. O interessante é que existem inúmeras irregularidades no estabelecimento, especialmente no departamento de recursos humanos, muitos desvios de função favorecendo o empregador, a equipe de manutenção nunca teve a carteira de trabalho assinada e isso pode ser indício de sonegação de impostos.

— Nada que eu já não imaginasse. — pontuou.

— No entanto, o ponto que eu preciso esclarecer com você é sobre a situação dos trabalhadores. Seu contador fez  uma análise do perfil da empresa, levando em consideração o processo trabalhista e criminal que estamos movendo contra a academia, existe alta probabilidade de haver corte de pessoal logo que finalizarmos o processo.  É uma prática comum em empresas que precisam fazer ajustes no orçamento em curto prazo, não é ilegal, mas pode ser arbitrária. Se olharmos a conduta anterior da academia diante dos colaboradores, é seguro dizer que é intencional, o fato de não assinarem as carteiras dos funcionários, é como se eles estivessem previamente criando espaço para manobras no orçamento. Isso implica que essas pessoas vão, provavelmente, perder o emprego tão logo seu marido receba os vencimentos a que tem direito e esses outros trabalhadores não vão receber nada. Afinal você pode contar com a boa vontade dos proprietários, tendo em vista o motivo pelo qual estamos conversando.

Segredo de FamíliaWhere stories live. Discover now