Quarenta e sete

2.8K 243 168
                                    

— Pra onde tão indo? — perguntou Magnólia, servindo mais um pouco de café para o genro.

A viagem de ano novo do casal era a fofoca do momento na pensão.

— Tibaú do Sul, Rio Grande do Norte.

— Ai, filho, mas é tão longe! — exclamou, tampando a garrafa térmica e se ajeitando na cadeira.

— A ideia é justamente essa, passar um tempo longe dos problemas — explicou com simplicidade, bebendo um gole de café.

Magnólia encarou o genro com aqueles olhos escuros cheios de empatia que lhe era característico.

— Esse foi um ano muito difícil pra vocês, né? Tanta coisa ruim acontecendo de uma vez só... eu fiquei com o meu coração na mão.

Samuel esticou os lábios num sorriso simples e um olhar mais sério.

— Eu já tive momentos piores, logo não foi tão ruim, acredito que para o Toni foi mais difícil.

Havia certo pesar na voz masculina, mas não havia motivo para contar tudo à sogra, com riqueza de detalhes. Ela ficaria preocupada, especialmente porque graças a esse "ano difícil", Toni estava fazendo terapia.

Olharam pela porta dupla escancarada da cozinha, Toni estava abaixado, rindo e conversando com a filha de uma das inquilinas, uma garota tagarela de três anos de idade, ele tinha uma facilidade surreal de lidar com crianças, era natural e intuitivo.

— É verdade, ele vinha por aqui com a desculpa de ver a Luz, todo murcho, tadinho.

— Sim, por isso quis dar esse presente para ele. Levar ele para conhecer um lugar novo, se desconectar dos problemas — comentou, bebendo mais um gole de café — além disso, tem praias lindas e acho que ele nunca viu o mar.

Magnólia segurou a mão do homem entre as suas, afagando por um momento, daquele jeito maternal que Samuel havia se habituado.

— Obrigada por cuidar tanto dele.

Samuel ficou sem jeito, mas sorriu outra vez.

— Eu dou mais trabalho para ele do que a senhora pode imaginar, logo é mais ele que cuida de mim do que o contrário e isso exige muito dele. Sabe tia, pode não parecer, mas ele precisa muito disso, muito mesmo, Toni tem estado uma pilha de nervos, sempre tenso e extremamente preocupado, principalmente depois que perdeu o emprego daquele jeito. Eu quis fazer algo por ele, sabe, algo real...

— Ei parceiro, bora? Se não, a gente vai se atrasar. — chamou Toni, surgindo na porta da cozinha rapidamente, interrompendo a conversa sem perceber que era o assunto principal.

Samuel terminou o café, Magnólia levantou e os acompanhou pela casa, seguindo logo atrás do genro e afagando as costas rapidamente, num gesto de compreensão.

— Luz! Teus pais já tão indo menina, vem se despedir deles direito! — bradou, bem

Lucas surgiu no topo da escada, desceu para dar um abraço no irmão e apertou a mão do cunhado, Carmen veio da varanda de trás, o salto alto fazendo barulho a cada passo, num poc poc irritante que ela adorava, até abriu os braços para dar um abraço caloroso no músico, daqueles que só ela sabia dar, os peitos bem empinados no decote, nas Toni estava entre os dois e não afastou. Alguns inquilinos mais curiosos que por acaso estavam em casa foram surgindo, mas Luz não veio.

Já estavam do lado de fora quando ela apareceu, quase como se fosse uma decisão de última hora, afinal aquela visita realmente não foi fácil.

Cogumelo correu em volta das pernas de Samuel e imediatamente ele parou de caminhar, pois a última queda que levou por causa de uma das brincadeiras do cachorro ainda não tinha sido totalmente superada.

Segredo de FamíliaOnde histórias criam vida. Descubra agora