Capítulo Dezenove

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Ele estava tão concentrado, que nem o ouviu chegar. Isso acontecia com muita frequência quando Samuel estava no estúdio.

Toni se escorou na lateral da porta, assistindo o músico etiquetar uma pilha de pastas negras em cima da mesa. Viu a tarefa com estranheza, geralmente Samuel estava tocando algum instrumento ou corrigindo avaliações dos alunos.

Mas o que realmente o fez parar no instante que o viu, foi a roupa ou melhor a ausência dela.
Samuel usava apenas uma bermuda verde musgo, que sabia ser nova pois a reconhecia. Havia comprado cinco peças como aquela, de modelos diferentes depois do aniversário do músico, quando descobriu que ele não tinha nenhuma.

Era uma visão diferente ter o músico assim, de bermuda, que aliás havia caído naquele corpo como uma luva. A pele excessivamente branca por falta de sol estava exposta, as marcas rosadas e tortas eram chamativas, se destacavam por cobrir a extensão das costas. Não eram três ou quatro, tão pouco nove ou dez, eram muitas.
Foi impossível não lembrar daquele dia, Samuel quase morreu. Só não perdeu muito sangue porque as lacerações na pele haviam sido queimadas pelo vinagre e pelo sal. Em compensação a dor foi insuportável quando precisou  limpar as feridas.

Lembrava claramente daquele dia, depois que fez tudo o que podia, Samuel adormeceu na sua cama, chorou. Foi a primeira vez que chorou depois da morte do seu pai no ano anterior aquilo.

Ergueu a cabeça, voltou a olhar a figura do marido que trabalhava de costas para a porta, nem havia percebido quando deixou de olhá-lo.
O músico não acreditava muito quando dizia a ele, que aquelas cicatrizes não escondiam sua beleza física. Geralmente ele lhe olhava com bondade, como se estivesse sendo generoso em dizer tal coisa ou apenas uma criança simplória, mas claramente não acreditava.

Desceu os olhos pelo corpo bonito, bem formado, de músculos firmes. As pernas torneadas e a bunda redonda que a bermuda não escondia, o formato masculino das curvas sutis que delineavam as costas, o cabelo loiro grisalho que estava crescido, fácil de segurar quando estavam na cama, até sentiu um arrepio de excitação com as lembranças. Aquelas marcas na pele eram apenas um detalhe. Samuel era tão atraente que não entendia como ele não aceitava isso.

Deu duas batidas na portas, apenas para chamar a atenção. Samuel se assustou por dois segundos, novamente isso levou seus pensamentos de volta as marcas, certamente o músico não esperava ver ninguém, ou então estaria vestido como sempre, calça comprida, camisa social.

Samuel vivia com um peso nas costas, metafórica e literalmente. Mas mesmo assim ele sorriu quando viu quem era, um sorriso leve e tão bonito, que chegava a agitar algo no interior de Toni. Era o único que estava pensando sobre as cicatrizes, mas não podia evitar, apesar do tesão louco que o fez faltar ao trabalho e vir até o estúdio, ver que Samuel precisava estar trancado dentro de uma casa para ficar realmente a vontade causava aquela efeito.

— Oi, aconteceu alguma? É incomum que apareça aqui antes do trabalho.

Mas o personal trainer não respondeu, apenas continuou o olhando, os olhos pretos não revelavam o que se passava em sua mente, eram misteriosos. No entanto, Samuel nem tentava desvendá-los, estava concentrado no trabalho, relaxado como ficava poucas vezes.

Sem dizer nada, se aproximou do músico, que agora guardava pastas em uma das caixas coloridas em cima da mesa. O abraçou por trás, espalmando as mãos grandes pelo peitoral e abdômen, pousou os lábios num ombro, como se o mais velho fosse o mais precioso dos tesouros. Precisou respirar fundo, não queria abalar o outro com seu sentimentalismo, nem deixá-lo perceber que nesse momento lembrava daquele doloroso dia, seria um desperdício de tempo.

— É a bermuda que te dei? Não é? — puxou conversa.

— Sim, estava entre as roupas que mantenho aqui. Por quê? — respondeu naturalmente, ainda ocupado com a caixa plástica.

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