Trinta e Um

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A primeira coisa que notou foi o silêncio. Não havia gente conversando na sala, nem as crianças assistindo os desenhos do fim da tarde, as "gêmeas capirotas" como as chamava em segredo, não o cercaram fazendo fofoca sobre nada e sua mãe não lhe respondeu da cozinha.

Isso era surreal.

Toni foi até a cozinha e Carmen estava cozinhando.

— E aí Dona Carmen, beleza? Cadê a mamãe?

— Saiu com a Luz.

— Com a Luz? Pra fazer o que?

— Tentando salvar a vida dela já que você chegou — falou enquanto mexia o feijão, como se isso não fosse nada de mais.

— O quê?

César entrou justamente nessa hora e o segurou pelo ombro, apertando de leve para ter tua atenção. Fez um sinal com a cabeça para que Toni o seguisse para fora da cozinha.

— Olha aí, o Cesinha te conta,  porque se eu for falar detalhe por detalhe capaz deu mesma ir dar uns tapas na tua filha. — despediu-se a mulher, abanando a mão para que saísse logo.

— Eu vou te falar, porque eu acho que tu precisa fazer alguma coisa, mas tipo fazer alguma coisa pra valer, porque se não isso ainda vai acabar em tragédia — começou, falando baixo e sério assim que passaram pelas portas duplas.

— O que foi? 

César suspirou e coçou a cabeça, escolhendo bem as palavras.

— O Samuel e a Luz tiveram uma briga feia agora a pouco. — Toni quis se agitar, mas César fez um sinal com as mãos para que se acalmasse — Tô falando de uma briga de verdade e eu só vou te falar isso, porque eu sou teu amigo, conheço o teu marido e sei que ele não vai te contar.

— Me contar o quê?

— Ele ficou muito descontrolado, deu uns grito nela e ela reagiu.

Toni capitou imediatamente que esta última parte é aquela que Samuel não lhe falaria.

— Como assim reagiu?

— Ela bateu no Samuel.

De repente Toni estava enxergando tudo vermelho, seu maxilar travou, tão tenso que César podia jurar que estava ouvindo os dentes saberem. O homem que já era grande e forte, foi inchando, as veias saltando na parte dos bíceps que apareciam na camiseta cavada, um modelo que ele normalmente usava para trabalhar.

A bolsa onde carregava as coisas que levava para a academia diariamente caiu no chão e ao primeiro passo que deu, César segurou seu braço, quando tentou se livrar, ele o empurrou contra a primeira superfície que encontrou, mas eram as portas da cozinha e Toni foi cambaleando para trás até esbarrar na mesa.

Carmen se agitou, recuou para o lado do fogão com a mão no peito.

— Misericórdia! 

César parou bem na sua frente, uma expressão dura no rosto, uma das mãos esplanada no peitoral do mais novo, a outra fechada num punho pendendo ao lado do corpo, pronto para qualquer coisa.

— NÃO VAI FAZER MERDA PORRA! PRESTA ATENÇÃO! TU NÃO É MAIS UM MOLEQUE, USA A CABEÇA! SE TU FOR DESSE JEITO PRA CIMA DAQUELA MENINA O QUE TU ACHA QUE VAI ACONTECER?! 

O primeiro impulso de Toni foi dar alguns socos no ex-marido, quebrar o nariz talvez, torcer o braço dele também era uma possibilidade. Porém, o que César falou a seguir o desarmou.

— ELE NUNCA VAI TE PERDOAR SE TU BATER NAQUELA MENINA COMO O PAI FAZIA COM ELE! EU NÃO SEI SE ELE IA TE ODIAR PRA VALER PRO RESTO DA VIDA, MAS EU SEI E TODO MUNDO SABE QUE ELE NUNCA MAIS IA OLHAR NA TUA CARA! 

Segredo de FamíliaWhere stories live. Discover now