Capítulo XVI

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Deitada em minha cama, meu peito arfava.

Depois de fugir do que parecia uma matilha de cerca de 20 lobos e entrar num portal com uma velocidade superior à indicada, o meu corpo e provavelmente o de Lucius também, clamavam por descanso.

Tínhamos seguido direto para o quarto sem passar até mesmo ignorando o aviso de um servo que dizia que papai estava nos aguardando com relatórios.

A cama me parecia convidativa demais, entretanto, a areia em meu cabelo, o cheiro excessivo de fumaça e o sangue tanto de lobo, quanto meu, já seco impregnado em minha roupa e pele me fez exigir um banho.

Segui para o chuveiro, me livrei das roupas. Cogitei encher a banheira e adormecer dentro d'água, mas o esforço de usar magia para enchê-la, não valeria a pena. Enquanto esfregava minha pele sob o chuveiro, permiti que a água levasse a memória do primeiro ser  - que eu de fato, - matava. 

Não queria sentir-me culpada. Ele havia nos atacado, havia me machucado e machucado Lucius. A morte era um preço justo para ele, mas não para todos. Alguns mereciam viver e antes que me desse conta eu havia me perdido dentre as coisas verdadeiramente boas acontecidas em San Antonio: as memórias de Théo.

O fulgor, a animação, a eletricidade em seu to que, o calor da expectativa. A minha reação a encara-lo era algo pelo que nunca havia me acontecido.

Essa era uma reação que eu causava nas pessoas, não ao contrario!

Era ridículo, principalmente pelo fato de surgir enquanto ainda o olhava distantemente.

Estava convicta de que poderia passar horas apenas observando-o sorrir.

Levei as mãos até o rosto e pressionei minha testa sobre a parede do box.

O que estava acontecendo comigo?

Era o álcool ainda em meu corpo. Era isso! O álcool. A única justificativa plausível.

Afastei as mãos do rosto e as pressionei na parede a minha frente. Encarei-a casualmente e  de pronto, a memória de Théo beijando minha mão me tomou novamente. Seus lábios perfeitamente entalhados; um tanto grossos, macios e mornos. E por um segundo fantasiei como teria sido se não tivéssemos nos afastados e ele tivesse beijado os meus lábios.

Uma voz em mim comemorou que o desejo dele me envolvesse.

A necessidade de vê-lo novamente era maior do que eu queria sentir e até mesmo admitir.

Em dois dias eu deveria estar num principado Espanhol, no Colégio de Santa Coloma de Andorra. Com ele.

E em pouco mais de três semanas, sua alma seria levada e eu voltaria para casa. Meu subconsciente avisou, levianamente.

Théo morreria e o sangue que seria derramado mancharia a mesma mão que há poucas horas, ele beijava.

Antes que um sentimento melancólico tomasse, desliguei o chuveiro e sai do banheiro.

Vestida confortavelmente, me dirigi à cama e me afoguei entre as cobertas. Entretanto, quando encarei o teto escuro, uma imagem de um Théo caído enquanto seu corpo era envolto por chamas, apoderou-se de minha mente.

Esse era o destino dele traçado com a ajuda de minhas mãos.

Com o peso da culpa me puxando para baixo até quase sufocar, cai no sono com a necessidade de não acordar novamente. E essa era uma culpa que eu não podia simplesmente transferir, por que ela era totalmente minha.

*

Sentar-se à mesa com meus irmãos havia se tornado algo raro. Lucius nunca se unia a nós, mas eu sentia sua falta. A convivência com ele tinha me mostrado o quão deslocada eu me sentia entre os seis. Ele havia se tornado mais do que meu amigo, era o que um irmão deveria ser.

As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora