Capítulo XLIII

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A voz de meu pai sumiu de meus ouvidos e tudo pareceu silencioso.

Por um segundo pensei no quão plácida e mansa era minha vida após a morte, mas isso somente durou até que eu abrisse os olhos e me deparasse com o inferno materializado em terra.

— Não! — Gritei quando vi as costas que se interpunha entre mim e meu destino. — Madeleine!

Seu joelho fraquejou, mas não permiti que caísse ao chão. Eu quem a sustentara dessa vez. Desviei a vista dela para o ser que ainda desaparecia diante a nós e que parecia frustrado ao ver a falha de seu golpe. Respirei o ar que prendia até então, quando o chão parou de brilhar, deixando como rastro o sigilo carbonizado na terra.

Estávamos seguras. Agora finalmente deveríamos estar seguras! Apertei o corpo de Madeleine junto ao meu. Como eu queria que estivéssemos seguras. Pelos nove, o que ela tinha feito?

— Não imaginei que doeria tanto. — Disse ela sofregamente, como se respondesse à pergunta que eu fizera.

A adaga de cabo de caprino estava fincada na cavidade exata entre seus seios, adornando de maneira macabra, o seu decote. Podia-se ouvir sem maiores esforços o sangue que inundava os músculos, tomando o espaço aberto pelo golpe e bem, podia-se ver, com clareza, o sangue que jorrava. Que me sujava, mas eu nem me importava mais.

Levei minhas em direção ao corte e tentei pressionar, precisávamos estancar o sangue.

— Podia não parecer, mas facadas são muito dolorosas. — Proferi de maneira divertida tentando disfarçar a inutilidade de meu ato. — Argh! Por que fez isso? Madeleine!

— Está tudo bem... — Ela respondeu.

— Não! Não minta deliberadamente!

A esta altura, já havia arrancado um pedaço de meu vestido e o pressionava em volta a lâmina. Qualquer movimento...

Fechei os olhos tentando coletar naquelas milhares de memórias que ainda me tonteavam o juízo, quaisquer palavras que lhe pudessem ser úteis.

— Sana vulneratur et in vita perseveret... — Um soluço choroso interrompeu o conjuro. — Durat in diebus vitæ tuæ.

Minhas mãos se aqueciam enquanto eu proferia aquilo que poderia ser traduzido como: "Cure está ferida e persevere a vida; Perdure os dias de tua cria.". Mas ainda assim, notei meus dedos trêmulos encharcados pelo sangue de minha amiga, que parecia jorrar com mais força todas as vezes em que me esforçava para estanca-lo. Pude sentir através daquela pressão, seu pulso se tornar mais e mais lento.

— Fine...

Sua mão segurou a minha de maneira inesperada.

— Foi uma ferida feita com a adaga de caprino, conjuro de cura algum irá funcionar, você sabe disso.

— Meu pescoço curou. Você fez curar.

Um sorriso fraco estampou seu rosto e sua voz já havia se tornado baixa e rouca quando ela proferiu de modo óbvio.

— Não somos da mesma espécie, bruxa de Kolasi e senhora dos 9 círculos. — Ela ironizou.

— Não mude o foco, Madie. Você é um oráculo, certo? — Questionei retoricamente. — Você viu que isso aconteceria. Então diga-me como salvá-la.

— Não há.

Respondeu ela secamente.

— Doom, Serafine. Foi você mesmo quem disse. Destino e desgraça. Caminhando como um só.

Neguei com a cabeça ciente de que lágrimas escorriam por meu rosto.

— Não acredito num oráculo que põe fé em destinos. Esse não pode ser o fim.

As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora