Capítulo XLI

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— Estrelinha!

A voz de papai soou tão enérgica e tranquila que nada parecia ter mudado. Os dias não pareciam ter se passado e aquele ainda parecia o homem doce que havia me criado.

Seus olhos ainda eram os mesmos que um dia haviam velado meu sono, penteado meus cabelos e me colocado nas costas enquanto minha versão pequenina e espevitada insistia em chamá-lo de "pangaré do inferno", todas as vezes em que ele fazia meu gosto ao brincar de cavalinho. Ninguém além de mamãe e ele ousavam rir de meu atrevimento. Mas ele também nunca havia me repreendido.

Por isso, mesmo reticente, cheia de medo e rancor, eu corri para seus braços e o abracei como tantas vezes havia feito. Foi inevitável.

— Papai. — Minha voz pareceu abafada, mas não me importei. — Senti tanto sua falta.

— E eu a sua, estrelinha.

Lúcifer afagou meus cabelos num gesto tipicamente paternal que persistia em corroer-me o peito. Ele era Satanás? Sim. Mas isso não poderia ser uma barreira tão gigantesca. Ele poderia e ele teria sido um bom pai. Ainda assim, embora eu não me lembrasse com clareza alguma, tinha vivido o suficiente para compreender as naturezas das criaturas.

Ele não precisava esbofetear minha face para que eu soubesse que ele o faria no exato momento em que o contrariasse.

E os seus atos anteriores falavam por si só. Um tapa era um ato de generosidade. Até mesmo acabar estripada era um ato de compaixão considerando a perversidade e criatividade para seus atos.

Apertei-o ainda mais naquele abraço.

Por favor. — Implorei silenciosamente. — Não faça jus aos meus temores.

Entretanto, quando me afastei levemente, encarando a face acima, notei-a magneticamente vidrada na paisagem além da claraboia. Havia cobiça em seus olhos. Apenas cobiça. E gota alguma gota de paternidade.

Meu abraço então, tornou-se frigido.

O tempo distante havia retirado uma viseira que eu jamais admitia que tivera. Lucius estava certo, Edgar estava certo e eu, fatalmente errada.

— Como foram os últimos dias? — Perguntou ele numa falsa preocupação. Quando ele começou a mentir tão mal?

— Desconfortáveis, com toda a certeza — Proferi.

Seus olhos se voltaram sinceramente para mim pela primeira vez desde que chegara.

— Por quê? O que houve?

— Muitas coisas. — Afirmei me afastando. — Algumas das que eu não sabia, outras que me negava a aceitar. Mas que ainda foram reais. Independente de minha escolha.

— Especifique, querida. — Ele pediu. — Sabe que não sou seu fã quando está sendo prolixa, realmente odeio isso.

— Eu não sabia. Na verdade, não sabia que havia algo que odiava em mim.

— Ódio é uma palavra muito forte e nunca direcionada a você. Ao menos ainda. — Papai completou como se aquela fosse uma piada, até mesmo sorriu.

Mas eu baixei meus olhos. O "ainda" ressoava alto em meus ouvidos.

Não responder de pronto havia sido o gatilho para que o som que vinha da festa nos envolvesse, mesmo que de maneira abafada. Como se somente notasse naquele momento, papai me olhou.

— Por mais que eu tenha adorado vê-la agora... — Iniciou ele. — Por qual razão está aqui?

Engoli em seco pelo que deveria ser a décima vez. Não respondi.

As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora