Capítulo XXX

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— Vamos, inspire fundo mais uma vez. — Pediu o padre posicionando novamente o auscultador do estetoscópio na parte esquerda de minhas costas. Repeti o processo pelo que já devia ser a quarta vez. — Então é isto... Você está perfeitamente bem! Pulmões em plena capacidade e nenhuma sequela aparente.

Olhos escuros, obtuso e com mãos tremulas. Padre Belford era baixinho e há muito já perdera o cabelo. Sua pele era tão bronzeada quanto à de Théo, mas os traços de Belford se destacavam ainda mais latinos do que os dele.

Théo encarava-me atentamente, acompanhando cada resposta do médico. Ele, Lucius e Madeleine observavam tudo sentados no leito à frente, enquanto o padre me fazia estender o braço para um novo exame arterial. Eu e Lucius contínhamos o riso com os esforços redobrados de padre Belford em ter certeza de que eu estava bem – e em surpresa por eu realmente estar.

Já meia hora mais tarde, ele tinha me liberado do soro e começado a desfazer o curativo de minha mão.

— Ou você é um milagre religioso — Dizia ele enquanto puxava a atadura. — Ou um milagre médico. Mas com toda certeza, um milagre.

Observei mais séria dessa vez enquanto ele mostrava os centímetros de pele rosada inteiramente cicatrizadas, do meu antebraço e dorso, mas assim que Belford virou a palma de minha mão para cima, arquejei levemente ao ver a grossas linhas que se alinhavam em círculos concêntricos, numa mistura de vermelho-inflamação e bolhas amareladas. Tinha demorado meio segundo para identificar o que as linhas formavam não eram feito de meus sobrinhos. Mais do que depressa, fechei minha mão e a cobri com a livre. Mordi meu lábio para inibir o leve grunhido de dor.

Padre Belford me encarou confuso, assim como Madeleine e Théo. Neguei com a cabeça quando o padre pôs sua mão sob a minha, insistindo para concluir seu trabalho.

Olhei por cima do ombro dele e não precisei usar do vinculo mental para que Lucius entendesse minha breve agonia. Quase imediatamente, Lucius esgueirou-se e tomou minhas mãos das do padre.

— Serafine é um tanto sensível quando se trata de machucados expostos, senhor Belford. — Disse ele de maneira comedida. Encarando o padre nos olhos. — Talvez seja mais fácil eu fazer o curativo ou o senhor terá de seda-la para isso.

Uma risada inesperada e rouca saiu de Belford, ele se tornou relaxado e entregou um rolo de gaze e um pequeno que ele descreveu como "cataplasma de ervas-cicatrizantes". Encolhi meus ombros levemente, esperando que ninguém além de mim tivesse notado Luc compelindo um padre.

— No três? — Questionou Lucius, tomando minha mão na sua, indicando para que eu abrisse.

— Você nunca diz o três.

Lucius sorriu e estava prestes a soltar um comentário sarcástico, mas calou-se no exato momento em que ele viu marcas entalhadas.

Seu olhar tinha sido apressado, assim como seus movimentos – envolvendo minha mão com o cataplasma e com as ataduras.

— Talvez você ainda precise ficar trocando o curativo por mais alguns dias. — Avisou a versão ébria de Padre Belford. — Mas ainda quero que fique de repouso. Na verdade os dois. Ainda acho que uma tomografia seria o essencial...

— Não acho que precise. — Rebateu Lucius, sem maiores espaços para respostas, enquanto estendia o braço e me ajudava a levantar. — Serafine ficará completamente bem em um dia ou dois.

— O que? Só pode estar brincando! — O arquejo impressionado veio de Théo.

Lucius deu de ombros e entregou-me uma muda de roupas.

— Os genes Káida são impressionantes, Théo.

Madie e Théo bufaram ao mesmo tempo em que eu sorri. Era indiscutível a falta que o grupo – por completo – me fazia, era meu sinônimo de paraíso.

As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)Where stories live. Discover now