Capítulo XXI

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Quando o sol surgiu na manhã seguinte, eu nem tinha fechados os olhos ainda.

Tinha fingido sonolência quando Lucius surgiu meia hora depois de mim naquela mesma noite. Mas foi só ouvi-lo roncar, que o abajur voltou a ser aceso para que eu pudesse encarar página por página daquele caderno.

Mamãe nunca havia sido um mistério para mim, mas venhamos e convenhamos, a ultima coisa que eu esperava de uma bruxa que tinha todo o inferno a seus pés, era aquela quantidade de feitiços de proteção. Podia jurar que havia até mesmo um esboço para conjuro de cura, mas — novamente — eu não tinha conhecimento suficiente para comprova-lo.

Usava um feitiço leve de levitação enquanto tomava banho e lia ao mesmo tempo. Minha cabeça doía com a tradução do que eu não tinha certeza que era uma versão em garranchos de fenício arcaico. Tinha me vestido e arrumado, prosseguindo o mesmo movimento, mas tinha acabado desistindo depois de outra meia-hora.

Precisava falar com mamãe.

Algo em mim sentia como se eu mal conhecesse a mulher que havia me criado, embora eu questionasse se ela escondia isso de mim ou de meu pai. Entretanto, nenhuma das alternativas me fazia confortável. Se ela os escondia de mim, era comigo que ela não sentia confiança. Se ela os escondia de papai, isso era pior, porque papai veria aquilo como traição e ele nunca lidava bem com isso.

Me dirigi até o baú que me pertencia. Ligar para mamãe não podia ser uma escolha tão ruim. Mas assim que pus minhas mãos no fecho, a cama de Lucius rangeu e ele começou a despertar.

Não que Lucius fosse desaprovar minha tentativa de contatar mamãe, não, Lucius queria entende-la tanto quanto eu. Mas isso geraria perguntas e eu simplesmente não podia explicar, porque eu mesma não saberia responder se ele perguntasse o que Théo despertava em mim.

Então é totalmente compreensível que quando Luc fez mera menção a acordar, meus movimentos se tornaram extremamente rápidos para que eu conseguisse esconder o caderno de mamãe e ainda assim fingir normalidade.

— Você levantou com os passarinhos ou eu já estou muito atrasado? — Perguntou Luc.

Olhei o pequeno relógio que se esgueirava na escrivaninha dele. Ainda era cedo.

— Só perdi o sono. — O que não era totalmente mentira. — Não estou acostumada com mobília tão modesta, você sabe. Mas considerando a sua fome e o quanto demora para se arrumar, se você não quiser perder parte do buffet, deveria começar a se aprontar.

— Tem razão. — Afirmou ele, sorridente demais para uma manhã.

Lucius espreguiçou-se e aproximou-se de mim apenas para estalar. Meu nariz enrugou quase que automaticamente.

— Você perdeu o controle ontem a noite, não perdeu? — Perguntei, mas estava receosa da resposta.

— Eu nunca perco o controle. — Afirmou ele, já com a voz abafada pela porta fechada do banheiro.

Ri com desgosto.

— Sabe quem fede mais a vinho que você? Um padre alcoólatra.... Huh, não, não. Você fede mais.

Aproveitei a oportunidade para abrir o baú e guardar o caderno de mamãe no fundo dele. Encarei a bolsa onde o celular pousava, mas acabei decidindo por não pega-lo e procurar informações em um local mais próximo: a biblioteca. Isto! Aguardaria até o final das aulas e fugiria depois do jantar.

— Tenha dó, 'S'! — Exclamou ele, me desfazendo dos planos, pelo menos por agora.

Ignorei a pequena cólera que me subia. Lucius sabia o quanto eu odiava quando o mesmo me chamava de 'S'.

As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora