Capítulo XXIV

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Deixei que a água que me lavava, carregasse todo e qualquer cheiro que Théo.

Esfregava meu corpo copiosamente para isso. A água quente era tudo o que me preservava do mundo além do banheiro e eu não queria enfrenta-lo, não agora. Que falta me fazia uma banheira, constatei tristemente.

Tinha ouvido batidas leves na porta, mas assim como faria sempre que necessário, tinha decidido ignorar. A única pessoa com que eu gostaria de falar, não se importaria em bater ou não na porta, então quem quer que fosse estava no local certo: longe de mim.

Observei-me no espelho, sem lente de contato, nem nada.

Meu olho vermelho tremeluzia diante a luz bruxuleante do banheiro

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Meu olho vermelho tremeluzia diante a luz bruxuleante do banheiro. Os olhos castanhos não me enfeiavam – duvidava que algo pudesse fazê-lo, mas eram apenas um reflexo meado de quem eu era. Minha heterocromia, de todos os meus traços, era aquele que me satisfazia mais.

Embora eu soubesse que ele nunca seria encarado com bom grado por qualquer outro que não entendesse minha natureza.

Seria considerada um monstro, uma aberração; Até mesmo por Théo.

O fato era que suas palavras bonitas ou seus gestos carinhosos não resistiriam a minha verdadeira face. Toda a sua afeição seria substituída por horror e mesmo que eu escondesse meu rosto pelo resto de sua vida, ele ainda viveria com a memória de quem eu era.

E eu? Eu era má – repeti para mim mesmo, por mais vezes do que me considerei capaz de contar.

E ser má, sob a expectativa de quem de fato se importava comigo, sob a expectativa de meu reino, não era ruim. Pela qual eu havia sido criada e forjada.

Ser má era aceitar que a mágoa nunca viria, porque se viesse, teria a vingança como sua conselheira. Era saber que parte do seu prazer consiste na dor de alguém e ser má, principalmente, era entender que Théo e eu nunca estaríamos juntos e quanto mais cedo eu aceitasse isso, mais fácil.

Enfiei o rosto em minhas mãos e grunhi vigorosamente. Por que todo e qualquer maldito pensamento que eu tinha, acabava se voltando para ele?

Talvez alguma magia de fato me afetasse e eu sabia perfeitamente o nome do feitor que estava colocando minha cabeça a prêmio. Meu peito parecia descompensado e me sentia fora do controle. O que Théo estava fazendo comigo?

Sai do banheiro com uma sensação de urgência e desejei que meu cabelo que pingava arbitrariamente se secasse de pronto, num apelo de que ao menos a magia desconectasse minha cabeça da necessidade de pensar nele.

O frio de Andorra voltava a me açoitar levemente e quanto mais a noite tardava pior parecia ficar. Tinha me desfeito da toalha quando reencontrei todos os livros que havia pegado na noite anterior, no relógio de ponteiros acima da cama, conferi a hora.

O jantar já tinha acabado acerca de 15 minutos e Lucius deveria estar com Madeleine. Iria me vestir apenas para encontra-la e voltaria para os livros. Parecia perfeito preencher o tempo longe daquele-que-a-partir-de-agora-não-nomeávamos, com literatura até que a estafa me consumisse.

As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora