EPÍLOGO

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Naquela noite, ou madrugada, o inferno rangeu.

Lilith observava o mar cinzento das almas amarguradas, encostada no beiral da sacada. Ela já sabia o que tinha acontecido antes mesmo que alguém a avisasse.

Ainda assim, a criada sátiro adentrou seu aposento numa corrida digna de velocistas, talvez as patas de caprino lhe ajudassem, mas seu real combustível era a urgência daquela mensagem.

— Minha senhora... — A pequenina hesitou. Lilith apenas a olhou de soslaio. — A princesa... Ela...

— Diga de uma vez. — A rainha proferiu numa voz cortante.

— Ela desertou. Renegou Estrela da Manhã, o reino demoníaco e... — A sátiro hesitou por mais uma vez. Precisou deglutir por duas vezes para manter sua voz firme. — Poupou a alma que lhe devia ser arrebatada.

A rainha encarou o mar novamente e suspirou. Com alívio.

— Corra, não pare, mesmo que mandem. Está sob minha ordem. — Exclamou Lilith. — Vá até os templos e avise a Dodona. Conte a ela que uma das suas se foi e que os ancestrais estavam certos. — A sátiro pareceu confusa, mas tremeu quando os olhos de Lily se voltaram para ela. — Agora!

Ela apressou-se assim que a criada saiu do quarto.

Sua mão foi levada até a parede paralela a sua cama. O compartimento abriu-se com o toque de sua magia e ela agilmente tomou o celular em suas mãos.

Seu peito pulsou ritmado aos toques da chamada. Atenda, atenda logo! – pediu ela mentalmente.

Silêncio fez-se antes de que a voz familiar de sua cria reverberasse um tanto metalizada.

— Mãe?

Uma lágrima escorreu no rosto de Lilith ao ouvir a voz da filha.

— Mamãe? É você mesmo?

— É claro que sou eu, minha pequena flamula! — A voz dela saiu mais chorosa do que previa.

— Mamãe eu fiz...

Serafine soluçou através da chamada e Lilith não lembrou-se de outra vez onde teria ouvido a filha chorar.

— Fez o certo. O melhor para todos. — Respondeu a mãe, preenchendo o vazio que ecoava do peito da filha.

— O que? — Questionou ela. Mais uma vez o soluço de Serafine cortou o coração de Lilith. — Mãe... Ele tentou... O pai, quase... Ele queria me matar. Mãe, eu lembrei de tudo.

Os olhos de Lily se apertaram. Porque ainda insistia em criar esperanças? Ela tinha esperado, por mil milênios, para que ele se redimisse. Quase acreditou que tivera feito. O modo como cuidara de sua pequena flâmula, parecia a concretização de seus maiores sonhos.

O esposo que ela tanto quisera e o pai, devoto, que Serafine tanto sonhara. Redenção nunca teria sido uma promessa proclamada, mas família? Essa tinha sido uma promessa. E ele, abdicara.

Mesmo que inicialmente por proteção a sua "estrelinha", agora, já tinha se perdido o sentido. Era uma vingança, era busca por glória.

Mas Dodona a avisara dos eventos futuros e elas tinham em comum a vontade de proteger o bem maior.

E Lilith, mesmo antes disso, tinha sido decisiva. O ódio... A ambição de Lúcifer... Isso não poderia atingir a filha. Ela era mais preciosa para ela do que o céu, o inferno e do que Lucian – já que Lúcifer se despedia todas as vezes que adentrava aquele quarto.

O tremor atingiu as paredes e o chão do quarto da rainha. Ela encarou a sua porta sabendo do que vinha em sua direção.

— Eu não tinha escolha... — Continuou a voz chorosa através da chamada. Um grunhido alto veio, quase como um grito. — Mãe, eu me apaixonei. Eu o amo. Como poderia viver sem um pedaço de mim? Sem minha alma.

As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora