Prólogo

839 108 219
                                    

A queda.

É a pior sensação que se pode experimentar.

E por queda não me refiro a sensação de pender aos chãos com os joelhos ou ao sonhar que se estar caindo.

Não.

Refiro-me a verdadeira queda.

As mãos quentes que pressionaram em minhas costas ainda se mostrava fantasmagoricamente mornas sob minha pele.

Mas essa sensação não teria permanecido por muito mais tempo, agora considero que teria preferido aquele toque eternamente. A dor que me precedia eu nunca teria imaginado sentir.

Num movimento lento e excruciante minhas asas, todas as seis, foram arrancadas de meu corpo. Pena por pena, filamento por filamento, cartilagem por cartilagem.

O urro gutural que ecoava de minha garganta, provavelmente chegava como um vivido assobio aos ouvidos daqueles que eu teria chamado de irmãos e agora observavam atenciosamente minha tragédia.

Minha ingenuidade me permitiu acreditar por alguns segundos que aquele seria o ápice de dor e que esta logo findaria, mas fui dispersa da ideia quando senti meu corpo quente como brasa.

Achei que a junção da dor física e do vazio dentro de mim depois de perder a ultima coisa que me prendia ao meu passado seria insuperável, mas ao ser queimada viva, percebi que nenhuma memoria bonita seria o suficiente para me entorpecer.

O fulgor começou da ponta dos meus pés e subiu avido por meu corpo inflamável.

Em minha mente ecoou a voz de Gabriel seguida de uma risada.

— Fogo abrasador eles disseram.

Ele zombava.

Em outro momento, eu teria o amaldiçoado, mas os meus últimos momentos de consciência, foram poupados para absorver as palavras dele e unir ao negrume de meu corpo.

Dor.

Quando o fogo consumiu toda a extensão do meu corpo, pude me ver em tons de vermelho escarlate e carvão. Teria perdido todo o brilho divino que já teria feito parte de minha essência.

O chão se tornou mais próximo.

Tentei erguer meus braços para proteger minha cabeça, mas estes estavam congelados ao lado do meu corpo. Sentia-me dura como pedra enquanto o solo parecia cada vez mais palpável.

Quando o impacto me atingiu senti meus ossos, aposto que quase todos eles, se quebrarem. Ao meu redor, um raio de pelo menos um quilômetro de natureza tinha sido incendiada, tal como a terra, que tinha se tornado tão seca, rachada e morta como minha pele.

Liquido vermelho escorria de mim, eu agora sangrava, era o mais perto da mortalidade que eu teria observado. Agora sentia e conhecia a sensação.

Olhei para o céu acima de mim. Este se encontrava num azul intenso e pleno; Em paz.

— Pai, ajude-me!

Eu gritei.

Mas não obtive resposta alguma.

O piedoso não teria piedade de mim.

Eu chorei.

Um anjo não tinha emoções, dores ou amores. Nem mesmo compaixão existia em mim.

Mas agora eu já não era mais um anjo.

As vozes que me seguiam, orações, pedidos, pensamentos dos outros anjos, não me habitavam mais.

O silêncio era horrendo.

Meu corpo foi tomado por dores e por agonia. A sensação que me absorvia era quase sufocante.

Tristeza, raiva, angustia.

Eu não tinha mais casa, não tinha mais glória, era a sombra do que tinha sido em alguma era. Agora tão distante.

Encarando o céu acima de mim, ainda me sentia esperançosa numa reviravolta.

Tudo isso teria sido um erro.

Fui expulsa injustamente!

Eu seria perdoada, merecia ser perdoada. Merecia?

A ira tomou conta de mim. Conhecia as historias sobre depois que um anjo cai.

Nada é capaz de reerguê-lo.

Mas as palavras de Gabriel ainda ecoavam em mim.

Antes de desfalecer me apeguei a mais vil das decisões a qual um mortal deve se apegar.

Mas como agora eu já era mais mortal do que um dia fui um anjo, não havia mais nada o que eu poderia fazer. Minha escolha teria sido feita e acredite, não teria sido feita por mim.

Eu escolhia vingança.

As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora