Capítulo XLII

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E foi assim que o fim veio. Trajando rosa e com um semblante familiar.

Não consegui reagir quando aquelas mãos tocaram meu pescoço e queimaram-me a pele, não com calor, com frio. Demorou-se poucos segundos antes que respirar se tornasse possível. Mesmo que eu ainda sentisse o sabor metálico e amargo do meu sangue.

Madeleine.

Repeti seu nome baixinho muitas vezes antes de conseguir assimilar de fato que era ela, ali, com um taco em punho e cabelos esvoaçantes, enfrentando Satã como alguém que enfrenta uma barata.

Seus olhos se voltaram para mim por mais uma vez.

— Vamos Serafine! — Ela gritou novamente. — Reaja!

Encarei aqueles olhos, antes humanos, mas agora tomados totalmente por aquele brilho esbranquiçado, exceto por suas pupilas levemente agateadas. Soube de pronto o circulo a qual aquela criatura pertencia, o olho estarrecido que ela carregava num delicado colar era a prova.

Eu reagi, assim como ordenado, mas distante do que aquele ser parecia esperar, eu me arrastei distanciando dela. A falsa-Madie pareceu atônita com meu ato.

— Fine!

Ela me olhou diretamente. Me viu por inteira. Olhos multicores, tatuagens e chifres. Ela não hesitou.

— Não sei que criatura você é, mas não é a Madeleine. — Sussurrei numa voz rouca a fazendo ranger.

— É claro que sou eu! — Brandiu ela, esgueirando-se ao meu lado e me ajudando de maneira abrupta, a levantar. — Eu disse a você lembra? Sempre soube reconhecer as várias faces de um deus.

Lembrei-me daquele dia, o primeiro em que conhecera aquela versão ingênua e saltitante de Madie, era isso o que ela tinha dito quando eu questionei sobre seu culto ao hinduísmo.

Suas mãos se envolveram nas partes internas de meus braços e com pouca dificuldade, ela me pôs de pé.

— As várias faces de um deus ou nesse caso, de um demônio.

Fiz-me boquiaberta novamente.

— Então você sempre soube que eu era... — Sua cabeça balançou em afirmação. — E ainda assim foi minha amiga?

Ela apertou meu ombro.

— Escolhi ser.

O grito odioso que veio detrás dela nos calou por inteiro. Somente naquele instante pude ver o que impelia aquele ataque. As correntes de Ágora, relíquia poderosa do clã dos Oráculos, incendiavam prateadas como os olhos de Madeleine, em volta dos pulsos de Lúcifer, fincadas no chão com estacas sob um sigilo.

— Termine isto agora. — Determinou Madeleine de maneira séria. — Você sabe o que tem que fazer. Não teria buscado com Edgar se não soubesse.

— Como... — Minha pergunta perdeu-se no ar. Era aquele o dom de sua espécie. — Ao menos vai dar certo?

Um novo grito de ódio e o estalar da madeira se rompendo amuaram nossos ombros simultaneamente. Madeleine engoliu em seco.

— Tem que dar. De um jeito ou de outro. — Sua cabeça meneou para mim levemente. — Porque estaremos todos mortos se não der.

Madeleine se projetou a frente e no que eu reconhecia como um morfeniano fluente e bem proclamado, fez com que aquelas correntes se enroscassem ainda mais nos braços de Lúcifer. Prendi seu cotovelo, fazendo-a me encarar com uma força da qual eu nem estava ciente de que voltara, mas meus joelhos ainda bambearam, ela quem me sustentou.

As Crônicas do Caos - Perdição (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora