A verdade não dói tanto quando eu tenho você

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- Você veio. - Murmuro quando Mew para do meu lado. Seus olhos analisam por curtos segundos a bagunça que eu deveria estar e logo seus braços me puxam para ele. 

Não foi preciso mais do que seu toque e eu volto a chorar em seu ombro. Aperto-o contra mim, minhas mãos agarrando desesperadamente seu casaco.

Eu mandei uma mensagem que não dizia nada entendível e Mew soube imediatamente que algo estava errado. E agora ele estava aqui e eu só precisei dizer que estava em uma ponte com a vista para a cidade. 

Ele me deixa chorar, suas mãos acariciando meu cabelo e minhas costas. Eu deveria me sentir melhor, mas estar com ele me lembrava que eu fui o responsável pelo o que ele sentia. E ele estava aqui, me confortando. 

- Toma, bebe um pouco para não desidratar. - Seus olhos estavam gentis em mim. Após me afastar dele, Mew me guiou até um banco próximo, a ponte estava vazia, ele disse que em dia de semana depois de meio dia aquele lugar retinha menos pessoas. 

- Como sabia que era aqui? - Pergunto depois de tomar um gole da água gelada. 

Mew olha o horizonte, um sorriso calmo.

- Aqui foi onde você me pediu em namoro. Tão brega.  - Ele me lança um sorriso. - E onde comemoramos nosso primeiro ano juntos. Você realmente gostava daqui. Acho que tem algo haver com a localização do sol. Dá para vê-lo se pôr direitinho. 

Eu me enganei a cada vez que dizia que não lembrava. Porque a todo momento, eu continuo voltando ao que eu era. Minha mente pode até ter se esquecido, mas meu corpo lembrava. Meus sentidos ainda funcionavam como antes, como se não importasse as lacunas em minha memória, meus pés sabiam para onde tinham que ir. 

- Eu descobri o que eu tinha... ou tenho. - Murmuro. Aguardo sua reação, mas nada veio. Ele apenas acena, cotovelos nos joelhos, mãos unidas. Ele me olha e sorri.

- Como se sente? - Não havia pena em seus olhos, mas tinha algo mais, ressentimento, talvez. 

- Eu não sei. Você sabia? 

- Não. Eu só fui descobrir meses depois de você estar em coma. Seu irmão me contou depois que sua mãe tentou me impedir de entrar no seu quarto. Eu sinto muito. - Sua voz saiu tão baixa que se eu não estivesse concentrado perderia suas palavras em meio as vozes infantis que passeavam por ali.

- Eu que deveria me desculpar. Eu não te contei o que tinha, eu te fiz mal. - Mew volta a se sentar ereto e se vira para mim. 

- Me desculpe porque eu não quis te entender Gulf. Eu não me esforcei para ler você. Imagino o quanto você escondia de mim, seus reais sentimentos e o quanto as minhas reações a você te fizeram mal também. Não importa se você escondeu sobre isso ou não. Agora, o importante é você se entender. Esse momento é muito confuso, certo? Então, tente se haver com quem você era para poder viver em paz consigo mesmo agora. 

Não o respondo e ele parece não se importar. Ficamos em silencio, esperando o sol gradualmente mudar de cor e se espreguiçar no céu alaranjado, pronto para repousar. 

Penso sobre o que Mew me disse. Eu tinha medo de perde-lo. Não precisava ir muito longe para chegar a qualquer conclusão acerca dele. Eu poderia não afirmar o porquê que deixei de tomar os remédios e ir as consultas, mas eu sabia que esconder aquilo de Mew era deixa-lo de fora desse lado obscuro. Eu não mudei tanto desde o acidente, eu estava certo sobre isso. 

Olhando de relance, o vendo de perfil, seus cabelos ondulados brilhando com os raios finais do sol, sua face límpida. Ele parecia um anjo. Era perfeito demais. Eu não queria que ele visse esse lado que poderia mancha-lo. Eu queria que ele me visse como o homem bom o suficiente para tê-lo e pertence-lo. O Gulf de antes amava Mew a ponto de moldar a si mesmo para não deixa-lo ir embora quando o conhecesse de verdade. 

O deboche do destino era quase o meu alívio cômico. 

Quebrei com meu próprio plano e ainda estraguei tudo. 

Ele me viu. Ele me via. O que pensava de mim agora? Eu me tornei o que achei que me tornaria aos seus olhos quando me conhecesse de verdade? 

- Isso é lindo. - O sol caminhava para detrás das montanhas. 

- Graças a você eu passei a admirar a beleza da natureza. Eu venho aqui com mais frequência nos últimos meses. A lua também se mostra exuberante de noite. Você tinha razão, a metáfora está em tudo afinal.  - Mew segura a minha mão. Entrelaçando nossos dedos. 

Seu dedão passando numa caricia entre as costas de minha mão e a parte interna de minha palma. 

- Eu me culpei por não conseguir te alcançar e acho que  não superei ainda, mas eu sei que eu desejo que você seja feliz. 

Estava distraído encarando nossas mãos unidas. Parecia tão bom. Tão certo. Ele fez isso da primeira vez que foi me ver no hospital. Pelo menos eu tinha essa lembrança com ele agora. E eu gostava. 

Sinto seus dedos em meu queixo, levantando meu rosto. Mew sorri para mim. 

Sorria sempre para mim.

 Seus dedos leves em minha bochecha, como se ele estivesse com medo de me quebrar. 

- Seja feliz Gulf. Por favor, seja feliz. - Eu era feliz. 

Assim que ele afasta sua mão, eu queria pedi-lo para não se apartar. 

- Você está com medo de... eu voltar a ter o transtorno? - Seus olhos eram desconfortavelmente honestos. 

- Sim. - Ele meneia a cabeça. - Eu li muito sobre isso. Me senti um idiota por não ter notado antes. Estava ali junto de mim todo dia e eu... - Mew segura o meu rosto e deposita um beijo em minha testa. Fico sem reação pelo demonstração de tamanha vulnerabilidade; sinto quando seus lábios se movem contra a pele de minha testa. - Desculpe.

Eu reconheceria aquele tom em qualquer pessoa, a culpa. Algo que venho me familiarizando com o passar dos meses.

- Não é sua culpa Mew. - Murmuro assertivo. Assim que ele se afasta o suficiente para que eu possa ver o seu rosto, ele mantinha uma fachada muito mal estruturada. 

- Eu sei. Eu sei. 

Eu gostaria de dizer algo a mais, talvez entender o que se passava na mente dele, mas eu estava uma bagunça completa. 

- Você vai me deixar, certo? - Mew me presenteia com um sorriso mais uma vez, no entanto, não consegui vê-lo direito, sua face começou a se tornar mexida, desajustada. 

Então eu entendo o porquê eu não o enxergava adequadamente. Mew limpa as minhas lágrimas gentilmente.  - Vem cá.

Me puxando para si, me deixa repousar contra seu corpo. Seu rosto no meu cabelo. Rodeio meus braços em sua volta. 

Levanto meu rosto e o encaro. Essa sensação de paz dentro de mim, tal leveza que prevalecia ao se confundir com o tanto de outros sentimentos conflituosos dentro de mim, eu entendi agora. Mew era meu bálsamo. Ele acalmava a maré revolta que eu era. 

Ele ainda queria me deixar, mas não hoje. Não ainda. 

- Não vai ser fácil fazer isso. - Murmuro. 

- Fazer o que? - Seus olhos curiosos nos meus. 

Sorrio em meio a uma estranha certeza. 

- Me deixar. 

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Where stories live. Discover now