Por um dia

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Dentro dos dias de profunda assimetria sentimental que passei, hoje era um raro momento em que me sentia tranquilo. Talvez fosse a presença de Mew, na verdade, já havia chegado a conclusão de que ele era a razão principal pela qual o meus pensamentos não entravam em um constante conflito entre tentar me entender e tentar ignorar o que eu sabia sobre mim.  

Possivelmente o modo como Mew ria, se divertindo com a história do vendedor ambulante na rádio ou talvez fosse a maneira como os seus cabelos hoje estavam mais curtos, o que lhe conferiu uma aparência, se for possível dizer tal coisa, mais bonita do que ele já era. 

O corte o deixava com o rosto mais amostra, possivelmente mais jovem e completamente gostoso. O pensamento não me assustou, me acostumei a acha-lo atraente. Suas mãos no volante, as veias contidas no tecido de pele, se sobressaindo sem nenhuma vergonha, me distraiam, meus olhos corriam pelos seus longos dedos, os anéis de prata que ele mantinha no polegar indicador e anelar na mão esquerda. Já na direita, indicador e mindinho. 

Ele não me disse, mas eu tenho a impressão de que era sua maneira de dissipar sua ansiedade. Não sei pôr em categorias as poucas lembranças que tenho, porque até então não tive nenhuma; mas de acordo com minha nova psicóloga, eu estou entrando num momento de assentamento cotidiano, o que basicamente significa que vou possivelmente recorrer a certas observações passadas de minha própria consciência sem notar. 

A nova psicóloga, Kate, era um poço de seriedade. A mulher não dava um sorriso, o completo oposto de minha terapeuta. Apesar de Glória dizer que iria me arrumar uma psicóloga, optei por ir na indicação de Anne. E Kate parecia estar fazendo um bom trabalho até então, além disso, seria melhor minha mãe ficar distante por hora do que eu estou fazendo. 

Ainda reparando em Mew, gosto da mandíbula dele. Seu perfil era especialmente majestoso. Hoje ele trajava uma simples calça jeans e blusa preta. Não acredito que ele costumava ser meu. Qual seria a sensação de saber que ele me pertencia? 

- Chegamos. - Sem me olhar ele sai do carro. 

O acompanho para a saída do estacionamento. 

- Você está chateado com outra coisa ou comigo? - Ao sairmos do local fechado a sinfonia de gritos, risadas e diversos outros sons que eu não poderia especificar nos atinge. Me mantenho a seu lado enquanto ele guiava o caminho. 

- Estou bem Gulf. - Bufo com sua resposta cálida. 

Enquanto ele me ignorou no carro, eu fiquei o secando. Não me importou se ele se sentisse desconfortável, não era como se eu tivesse a oportunidade de fazer isso toda vez que queria. E por seu tratamento de silencio para comigo não haveria o porquê de ser acanhado. 

Era estranho saber que eu me sentia um pouco incomodado por ele estar com esse humor quando eu me sentia energizado. 

- Vamos na montanha russa primeiro? - Pergunto enquanto ele comprava os ingressos e eu olhava em volta. Essa era a minha primeira vez no parque! 

Também decidi que todas as coisas seriam consideradas as primeiras desde que acordei. 

- Eu não curto muito, mas eu te levo até lá. - Ele me entrega os meus ingressos, o sorriso astroso em seu rosto ascendeu a cólera em meu estômago. 

- Qual o seu problema? Se não queria vir era apenas dizer que não. - Seus olhos fixos em mim nada delatavam. - Eu só queria um momento com você, não quero te forçar a nada. Não se sinta forçado, sinto muito se é assim que está se sentindo, se esse é o motivo por estar distante assim. Desculpa se eu passei dos limites e pensei exclusivamente em mim. 

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Onde histórias criam vida. Descubra agora