Tinham dias que eram melhores.

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Tinham dias que eram melhores.

Antes, era como se ele nunca mais conseguiria voltar a sentir nada a não ser aquela dor dilacerante de perda, de assolamento, de desespero. Hoje, após quase um ano, ele ainda estava vivo e ainda sentia. Não da mesma forma que antes, mas não estava imune dos sentidos.

Focar no serviço foi a escapatória mais saudável que ele pode encontrar. E às vezes, nem assim. Essa semana estava sendo acalorada, eles estavam prestes a lançar novos produtos, todos tinham coisas para fazer, Ran e Mateus se ocupavam em dialogos e revisões das apresentações.

- Sério, minha cabeça vai explodir. Aqui, come isso. - Ran joga a marmita na frente de Mateus, retirando as pastas de sua mão sem permissão. Ele o observa abrir o recipiente de vidro, por os talheres ao lado e uma lata de suco natural. - Se não fosse por mim você já teria sumido em seus ossos. Come!

- Obrigado.

Ran acena sério e se senta a sua frente, focando em sua própria comida.

Ran foi uma grande ajuda para Mateus, em termos estreitos profissionais e enquanto amigo. Ele o viu no seu pior, o apoiou, não o forçou a nada, deixou que ele chorasse em seu ombro. Ele não sentia vergonha, afinal, era humano. E Ran nunca cobrou nada além das refeições. De alguma forma, Ran soube como lidar com tudo, com ele, com a empresa, com o desespero dos funcionários quando souberam do motivo das faltas consecutivas do chefe, ele foi a peça master por trás da estrutura. Ele fez funcionar.

Agora, eles sempre almoçavam juntos, para ele, Ran fazia isso como um modo de checar se estava tudo bem. Não via mais necessidade, ele já havia passado pela pior parte.

- Você leu o que te mandei? - Mateu acena, enfiando um grande pedaço de couve em sua boca. - E não respondeu por quê?

- Porque eu não gostei dos acordos. - Ran o encara desacreditado, sem expor seus reais pensamentos.

- Ei, é uma boa proposta, você viu a margem de lucro? - Mateus estala os lábios, fazendo soar um som sarcástico. - O que?

Quando ele não responde, Run suspira, soltando o ar lentamente.

- Não sei, mas você precisa parar de cortar os planos assim. É uma boa proposta e você nem me deu um argumento para não aceitarmos. - Murmura o olhando com precaução. - Já faz um tempo, Mateus. Eu imagino que não deva ser fácil.

Ele queria rir se não atiçasse a parte sempre magoada de seu coração. Já fazia um tempo. Um longo tempo em que ele não postava nada, não dizia nada, não se relacionada com ninguém , não vivia. Ele tinha consciência de tudo isso, não era como se houvesse se trancado na bolha da auto preservação, ele apenas estava esperando pelo seu amor.

- Olha, eu vou ver isso, ok? Você sempre ditou bem os negócios, vou me manter na linha.

- Mateu, você é fenomenal, sabe disso. Eu confio em você, metade disso é credito seu. Mas eu ainda quero um bom argumento. - O homem sorriu e o lançou o famoso olhar de ganancia.

- Fico feliz que você me reconheça no processo. - Mateus corresponde o sorriso do amigo.

Os dois finalizam o almoço corrido entre conversas amenas.

Conversar amenidades se tornou algo extremamente necessário para Mateus, foi assim que desenvolveu seu vício em reality shows. Sua prima o fez acompanhar de Férias com ex, Georgia, The Circle e afins, e eles serviram ao proposito com o qual foram feitos, distrair. Ele e Diana viviam a conversar sobre os participantes, as babaquices e choradeiras desnecessárias. Ele realmente apreciou a prima por isso, foi de elevação espiritual, e por vezes, se esqueceu que parte de seu peito andava dormente.

°°°°

Sua mesa estava uma bagunça. Já passavam das cinco, a empresa ia esvaziando conforme a tarde ia caiando, sobrando apenas aqueles com pendencias.

Mateus se ocupa em reorganizar sua mesa. Após o acidente ele se tornou um tanto quanto desleixado, algo que nunca antes previu em sua vida. Aos poucos, voltava a ser quem era, com certas e profundas modificações.

Ele pensava por vezes, o impensável. Se o dia de Gabriel acordar nunca chegasse. Essa era uma pauta que todos os que conviviam com ele evitavam falar; os mais distantes já conseguem abordar o tema sem sentir tanto amargor. Mateus sabia que essa podia ser uma realidade, assim como fazia parte da realidade ele acordar dez anos depois. Entretanto, quanto mais tempo ele se difundia ao hospital, mais tempo a aceitação martelava em forma de lembranças.

Um ano parecia mil sem ele.

Mew poderia aguardar mais cem, se a promessa de que no final ele acordaria fosse cumprida. E ele sorri, lembrando em como pensar nessa possibilidade antes o levava às lágrimas e agora tudo o que ele conseguia sentir era o vazio dentro de si. Em certa noite, ele parou de chorar. Quando levantava, olhava no espelho, fazia as coisas no automático. Deixou de se perguntar como e aceitou. Entrou em estado de adormecimento contínuo. Antes de dormir, olhava a foto que colocou propositalmente na bancada ao lado da cama, nem a sombra de um sorriso aparecia em seus lábios.

A casa se tornou apenas um dormitório, estava assim como ele, dormente. Tudo estava em suspenso, sem saber se um dia poderia voltar ao normal.

Uma vez, ele escutou o irmão de Gabriel dizer que agora esse era o novo normal. Ele odiou. Esse não era o novo normal, essa era uma realidade de pesares, que custava levar na normalidade. Ver o homem que ama deitado numa cama quase sem vida a não ser pelas indicações das maquinas, vê-lo ali, sem aquele sorriso bonito que abria sempre que o encontrava, sem as birras, sem os foras gratuitos quando estava emburrado... esse não podia ser o novo normal. E ele preferia viver no limbo do eco a tentar abraçar essa nova categoria na qual a vida quer lhes encaixar.

Seu celular toca em algum canto da ampla sala, se movendo lentamente até o sofá ali disposto, obra de Gabriel, ele gostava da ideia de ter um sofá no escritório do namorado. O nome de sua irmã piscando na tela o invoca a aceitar a chamada.

- Oi, Naila. Está tudo bem?

- Gabriel acordou. - Mateus não pode escutar mais nada. Ele sabia que ela continuou a falar, no entanto, sua mente não centrava na cadeia de palavras que ela soltava.

Seu coração batia demasiadamente forte, ele não reparou o momento em que começou a chorar, suas mãos tremiam perto de seu rosto.

Que reação era aquela? Ele não sabia de nada. Não tinha controle sobrensi mesmo. Era uma tela em branco. Não entendeu por quantos minutos ficou parado até seu celular tocar mais uma vez.

Gabriel acordou.

Ele sentia que tudo estava desmanchando e ele estava acompanhando.

Até que apagaram a luz.

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Where stories live. Discover now