Palavras ao vento e a você

366 80 16
                                    

Pode conter gatilhos ***


Noite do acidente 

Gulf não sabia de certo se estava tremendo ou seus olhos lacrimejavam tanto que o forçava a ver tudo hesitante. Ele não queria ter feito aquilo. Não queria ter buscado alívio. Não queria apertar a mão da preocupação. Mas ele não pode se impedir. O sangue escorria pelo seu ante braço, a dor conhecida e bem vinda o fazia chorar mais. O carro silencioso testemunhava mais uma de suas crises. Mais um de seus deslizes. 

Você precisa de seus remédios. Ele não vai te aceitar quando vir quem você é! 

As palavras de sua mãe latente em sua mente. O rosto decepcionado de Mew. Gulf quebrava aos poucos e não sabia como evitar de deixar Mew vê-lo sem os pedaços, os cacos sujos. Mew não podia terminar com ele, se o fizesse, o que Gulf faria com tanto sentimento dentro de si? Como Mew podia jogar fora anos de uma falsa persona que Gulf se esforçou tanto para moldar? 

- Eu vou voltar a tomar os remédios. - Murmura para si. 

Queria que os leves cortes o levassem para longe através de seu sangue, mas não tinha coragem. Não podia deixar Mew. Ele queria ser feliz. Faze-lo feliz. A tentativa de viver longe do controle de sua mãe, afastar-se dos remédios, das perguntas, dos questionamentos inquisitivos, ele queria ser normal. 

Mas sua mãe tinha razão, ele não era. E Mew começava a enxergar isso também. 

- Eu preciso voltar a tomar os remédios. - Sussurra apoiando sua cabeça no volante. Encara a janela abafada sentindo a adrenalina correndo através de seu corpo, mas ele só conseguia se manter parado. 

Tinha vezes em que ele era como seu irmão, um cara comum. Seu desvio não o atrapalhava, até que o fizesse. De maneira aleatória, sem mais, ele já não se enquadrava na mesma categoria que seu irmão. Ele foi normal com Mew. Um dia, ele conseguiu. Não mais. 

Amanhã ele iria voltar a se medicar, ir nas consultas. Ele se recuperaria. E, assim, Mew ficaria com ele. Com esse lado bom e perfeito. Esse lado que destruía Gulf a cada dia. Essa farsa. Ele vai se esforçar para que ela se torne verdade.

- Eu quero ser normal. 

Gulf odiava sua mãe. Ele sabia que era culpa dela, suas palavras adentraram em seu coração. Esse órgão que lhe dava vida aceitou tais palavras e guardou consigo. Agora, ele vivia na margem do que não era e não conseguia explicar para a psicóloga. 

Pegando seu telefone em movimentos lentos, Gulf encontra Mew entre seus contatos e pressiona o botão ligar. Faziam  dias desde que ele saiu de casa, não podia voltar assim sujo de sangue, drogado e completamente fodido. Mew não sabia. Mas Gulf precisava ouvir sua voz, precisava saber que ele ainda era dele. Que Mew não fizesse o que afirmou, que não o desse tempo, que não o desse espaço. 

Gulf imagina-o atendendo e a sua voz  soando preocupada. Sorri com a ideia. Mas a cada longo toque o coração de Gulf diminuía uma batida. Até que ele é direcionado à caixa de mensagem. Apertando o celular em sua mão, se concentra nas palavras que queria dizer, se agarra a elas, sabendo que não ficariam ali por muito tempo. Sua cabeça começava a ficar nublada, seu peito enchia-se de fumaça e tudo o que ele queria era fechar os olhos e ir.  

- Você disse que me odeia, mas eu sei que você me ama, mesmo querendo que eu desapareça. Não se preocupe Mew ... eu ... eu falo a sua língua. Dizer coisas que você não quer dizer para alguém que ... que significa o mundo para você, entende? Você me ama bebê, mas ... mas... eu também te odeio e desejo que você desapareça, mas eu também te amo, amor eu te amo e acho que você entende. Eu digo coisas que não quero dizer também, Mew você significa o mundo para mim. Eu sei, eu sinto muito. Eu sou hipócrita e tenho muitas coisas para trabalhar em mim, mas a gente vai fazer isso funcionar, ok? Porque você é meu bebê mesmo quando não está comigo, você sabe disso, não é? Eu te amo Mew. Eu não posso fazer isso sem você sabe, não desiste de mim ... por favor Mew ... não desiste da gente. Eu te amo. 

Meia hora depois, antes do mundo apagar a luz, Gulf lembra-se de Mew e torce para que ele escute a mensagem. 

°°°°

Levanto tossindo e procurando por ar. Meu peito ardia. Toco a cama a procura de algo para me segurar. Vomito no momento em que me viro. Mantenho meus olhos fechados para evitar que a ardência que suba por minha garganta chegasse aos meus olhos. 

- Gulf, você está bem? - Ouço a voz de Luia, mas meu corpo tremia incontrolavelmente. Volto a deitar na cama, sentindo um repentino frio. - Meu Deus, eu vou chamar sua mãe! 

Seja o que fosse, não acho que minha mãe poderia me ajudar. Apesar de meu corpo estar reagindo de maneira compulsória, eu entendi o motivo. 

Eu me lembrei.  

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Waar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu