Não vou desistir de você

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Assim que adentro no quarto meu coração mingua com a imagem de Gulf. Ele estava sentado dentre os lenções frios e pálidos do hospital, encarando os próprios pulsos que estavam enfaixados. Sua face transparecia tristeza, toda a sua energia vibrava com melancolia. Tive que me lembrar que ele estava bem, não era nada que não pudéssemos resolver. 

Gulf iria ficar bem. 

Não sei se fiz algum barulho ou fiquei tempo demais na porta a ponto de Gulf finalmente notar, mas quando os seus olhos vagam até a minha direção, todo o medo que fez morada no meu peito dissipa. Gulf se mantem quieto, sem esboçar reações além das que carregava na face bonita; me doí quando os seus olhos não sustentam os meus e ele volta a olhar para as suas mãos. 

Me aproximo, puxando a cadeira para que ficasse próximo da cama. Não sei se poderia toca-lo, se ele se sentiria incomodado com isso. Gulf estava evitando me olhar, assim como preferiu ficar em silêncio mesmo após a minha chegada. Tento pensar em como agir, não queria que ele achasse que eu iria confronta-lo de alguma forma. Ou que estivesse com pena. Sabia que ele odiaria qualquer um dos dois. 

- Eu conheci a sua psicóloga. Ela não tem muita expressão. - Murmuro, tentando puxar assunto. Mas Gulf não se move. 

Suspirando, tento uma abordagem diferente. 

- Eu não sei o que se passa na sua cabeça agora, mas seja o que for, eu vou estar aqui com você. Vamos passar por isso juntos. 

Finalmente arranco alguma reação dele, mas a face que antes apenas carregava um semblante triste, substitui para uma angustiada. Gulf toca os próprios pulsos, os segurando.

- Você não deveria. -Sussurra. 

- Não deveria o que? - Me aproximo um pouco mais, quando Gulf não se moveu, me permito toca-lo. O desespero de poder senti-lo vence, seguro suas mãos, as embalando com as minhas. Finalmente Gulf sobe o seu olhar e encontro tanto temor neles. Eu nunca antes tinha visto Gulf tão exposto. 

- Você deveria ir embora. - Sussurra. 

- Não. Eu não vou. - Repito as mesmas palavras que disse para sua mãe momentos atrás. - Presta atenção, eu disse para você que vou ficar, então eu vou cumprir. Não tente me afastar, não vai dar certo. 

Beijo a sua mão, a apertando contra as minhas. 

- Eu não sou uma boa companhia Mew. Até que demorei para voltar para o hospital, mas aqui estou eu mais uma vez. - Gulf me olha como se procurasse algo. - Eu me lembro de ter surtado, eu quebrei todos os carros de casa, eu me machuquei. Eu não sabia controlar e se acontecer de novo? E se eu machucar alguém assim? Olha, eu fiz isso. 

Gulf mostra os pulsos cobertos por gazes. 

- Eu sei que você prometeu, mas você disse que conheceu a Kate. Ela deve ter falado o que aconteceu, certo? Eu não vou mudar, você não vai querer ficar comigo por mais tempo. 

Suas palavras atravessaram o meu peito. Entendi que ele estava vulnerável, sensível e possivelmente queria o melhor para nós dois. Mas nunca antes Gulf tentou me afastar, o movimento era sempre o contrário, não importava qual fosse a situação. Percebo que eu nunca tive que correr atrás dele, não foi preciso. Por um segundo, encarando os olhos castanhos receosos, me pergunto se deveria aceitar suas palavras. 

Será que seria o melhor para ele e para mim?

- Eu não vou melhorar Mew. - A certeza dele me tira do meu torpor. 

Num gesto, levanto os seus pulsos e beijo cada um por cima das bandagens. 

- Sabe, talvez você tenha razão. - Seus olhos se arregalam sutilmente. Prendo o sorriso, confirmando que mesmo sob suas falas ele não queria o nosso fim. - Mas você me prometeu que iriamos sair da cidade. - Beijo o seu pulso esquerdo. - Morar em algum lugar com bastante espaço para as crianças. - Dou outro selar no pulso direito. - Que no caso seriam quatro, assim há chances maiores de uma delas gostar de futebol e jogar com você.  

Sorrio para ele e volto a beijar os seus pulsos. Não perco o brilho de esperança que sobressaiu dentro da tempestade de sentimentos aborrecedores que seus olhos e face demostravam. 

- E você me disse que ficaríamos juntos para sempre. Veja, é brega mas funcionou para mim. Eu acreditei. Você se responsabiliza por não cumprir suas palavras? - Gulf volta a fechar o seu semblante. 

- Por que está fazendo isso? - Num tom aborrecido, Gulf fecha os olhos, afastando as minhas mãos para tapar o rosto. - Você até então queria me deixar, essa seria sua desculpa perfeita. Pare com isso. 

- Eu fui um idiota, mas eu tinha um motivo para minha escolha. Agora, eu não acho que essa escolha seja aplicável. 

Gulf se mostra contrariado. Ele me olha com uma sutil raiva. 

- Mew, eu sou uma bagunça. Mesmo quando acho que estou bem, não passa de ilusão. Eu não aguentei três minutos de discussão e surtei, o que acha que vai acontecer se você brigar comigo? Filhos? Eu sou instável para qualquer coisa pelo jeito! - Soltando um suspiro, Gulf deixa sua cabeça pender para trás contra a cabeceira do cama do hospital. 

- Você merece muito mais que um garoto que não sabe lidar consigo mesmo. Eu não serei bom para você a longo prazo. - Quando seus olhos encontram os meus mais uma vez encontro uma estranha certeza neles, o que me deixou ansioso. -  Encontrar alguém que você não tenha que ser babá ou controlar suas palavras o tempo inteiro. Eu já te magoei o suficiente. 

Deixo que o silencio tome conta entre nós. 

Me dou alguns minutos para saber como seguir. Gulf ainda estava sob influência de um momento extremamente sensível, apaziguar essa situação só será possível com calma e paciência. Talvez eu merecesse isso. Tentei tanto afastá-lo que agora ele ache que essa seria a única saída para nós dois. 

Me sinto um grande idiota por plantar a ideia de que eu não poderia lidar com ele assim. Sim, eu pensei nisso, eu quis desistir. Mas mesmo diante de Gulf agora, sabendo todos os sérios fatores que seguirão na sua vida, após escutar e atentar-me a cada palavra da psicóloga, ainda assim, eu não mudei de ideia. 

Partia o meu coração o vendo completamente desolado de si mesmo, na certeza de que não melhoraria ou que não poderia viver bem consigo mesmo. Se eu o deixasse agora, nunca poderia viver em paz comigo mesmo. Abandonar o homem que eu amo depois de quase dois anos vivendo em transe e com diversas dúvidas pessoais, se eu fizesse essa escolha, eu não estaria apenas desistindo dele, como também de tudo o que passamos para chegar até aqui. 

Se mesmo sem lembrança ele voltou para mim, eu não posso e não vou deixa-lo ir assim. 

- Eu não vou desistir de você. - Quebro o silencio sem me importar se meu tom saiu um pouco rude. 

Seguro o seu olhar. Dobro os meus braços sobre o peito. Eu me sentia com raiva, não dele, mas de mim mesmo. Agora seria a minha vez de faze-lo enxergar que nós dois éramos melhores juntos do que separados. 

- Se você acha mesmo que vai me afastar assim garoto bonito, pense novamente. - Gulf pisca, surpreso. - Alguns anos atrás você me perturbou para que estivéssemos juntos, talvez seja a hora de te mostrar como você foi insistente e chato naquela época. 

Quase, quase que Gulf assume um vislumbre de sorriso. 

Sorrio para ele. 

- Não vou desistir de você, guarde isso. - Murmuro me ajeitando na cadeira. 




Obs: Estamos entrando na reta final meus amores! Segurem seus corações! 💖 

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Where stories live. Discover now