Como eu precisava de você

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- Aonde vai meu amor?

- Dar uma volta. - Pelo olhar contido de Gloria eu já sabia que de alguma forma ela estava ciente de que era uma mentira. 

- Você passou por um momento muito significante Gulf, a terapeuta disse para você descansar. 

Após o incidente, eu não consegui me mexer por um longo tempo, eu não sentia vontade de contar para ninguém o que lembrei.  A sensação estranha e pesada no meu corpo era o suficiente para me fazer recuar diante de qualquer toque ou tentativa de diálogo. Nunca pareceu real a possibilidade de recordar alguma memória passada, mas se forem todas assim eu prefiro não as ter. 

- Ela disse para eu voltar a fazer minhas coisas normalmente. -  Minha voz baixa e apática. Desde dois dias atrás, quando tive as recordações, me percebi um tanto quanto irritadiço. Queria ir ver minha psicóloga, mas minha mãe vem monitorando cada passo que eu dou. E isso estava começando a me deixar inquieto. 

- Gulf, acho melhor você... 

- Eu vou sair, eu não quero ficar trancado em casa. - O tom ríspido não foi minha intenção, muito menos receber um olhar de descontentamento de minha mãe, mas eu não aguentava mais. 

- Você vai vê-lo? - Sabia que a terapeuta havia contado para ela, isso era uma realidade. - Faça como achar melhor, afinal já é maior de idade. Mas saiba que nada de bom vai vir dessa sua decisão. 

Dito isso na sua voz calma, me deixa sozinho na sala. Talvez ela tenha razão, mas o que mais posso fazer quando a única pessoa com quem quero estar agora é ele? 

°°°

- Você. - Naila me recebe com antipatia, devolvo o mesmo já que meu humor está completamente deslocado dentro de mim. - Mew está tomando banho. 

A olho surpreso por ela ter me noticiado sobre seu irmão, esperava mais um comentário sarcástico e maldoso. 

- Obrigado. 

Sem me dar uma segunda olhada ela deixa a casa. 

Faço meu caminho até o quarto, minhas mãos não paravam de se mexerem, me sentia extremamente ansioso. Não conseguia lembrar de tudo do que aconteceu, eram quase que fatos em fleches, mas conseguia sentir a angustia, a dor, o desespero daquele dia. Era estranho que as lembranças não voltaram como eu imaginei que seria, como um filme, mas como uma lapada de chuva, borrando a visão. 

O quarto ainda era uma incógnita, me sento na cama escutando o chuveiro ao lado. A terapeuta disse que eu estava em estado de choque, ela tentou me guiar dentre esses dias, mas ela não conseguia me ajudar, mas ela disse que levaria um tempo até minha mente entender o que aconteceu. 

- Gulf? - Levanto minha cabeça e encaro um Mew sem camisa, cabelos bagunçados e úmidos, recém saído do banho. - Oi. 

O observo quando ele rapidamente acha uma camisa e se senta ao meu lado. 

- Eu me lembrei da noite do acidente. - Segurando minhas mãos, ele as abre, não havia percebido que estavam fechadas. Seu toque me remeteu aos sentimentos daquela noite, tão vivos dentro de mim. - Eu estava com medo. 

- Medo de que? - Seus dedos continuam trilhando os pequenos furos na minha palma. 

- De te perder, eu sei que eu não estava tomando meus remédios, acho que eu queria ser normal. - Murmuro, sentia um aperto no meu peito a tal ponto que me dava vontade de chorar. - Você havia me deixado? 

Seus olhos escuros prendem os meus. Era ele quem eu precisava ver, talvez se ele me respondesse cessaria essa dor em meu peito. 

- Eu pedi um tempo. 

Não sabia como responder aquilo. Mew me puxa para ele, me agarro a seu corpo, tão apertado quanto a minha vontade de me livrar da minha perturbação. Não acompanhei o processo, mas em algum momento estávamos na cama, Mew me tendo contra si, seus dedos acariciando meu cabelo e meus braços. 

Me sentia seguro, ainda perturbado, mas extremamente confortável. Não consegui dormir direito desde o sonho, não queria fechar os olhos e ter outra lembrança carregada de sentimentos. Mas ter Mew ao meu lado diminuía a pressão. 

- Eu sempre te amei Gulf. - Sua voz soa alta no quarto silencioso. - Naquele dia eu explodi com você, brigamos e você saiu. 

- Eu me sinto como se o antigo Gulf quisesse voltar, requerer o seu lugar, eu não quero. 

Eu estava assustado. Não conseguia entender o que estava acontecendo na minha cabeça, mas era muita informação. E o grande problema era que os pensamentos e lembranças confusas me deixavam aflito. 

- Tudo bem, mas isso é algo o qual você não pode controlar, mas tem que saber lidar. Olhe aqui. - Mew se afasta para que pudesse por seus olhos em mim. - Seja como for daqui em diante, eu vou estar com você, ok? Não foi isso que eu disse? Eu vou estar aqui, vamos enfrentar isso, certo? 

- Você tem certeza? Eu realmente não sei se posso lidar muito bem com isso. - A fragilidade de meus sentimentos expostas para ele. Ainda sabia pouco de nós além do que sentia, mas eu tenho plena noção que Mew poderia me destruir se quisesse. 

Encarando seus olhos bonitos, eu podia entender que talvez ele não soubesse, mas eu lembro, eu era dele. Não havia dúvida, o que eu era antes do acidente era uma bagunça completa que se organizava de um jeito muito estranho por ele. Mew estava nos meus pensamentos, eu queria vê-lo, senti-lo, tê-lo apenas para mim. 

Eu precisava dele. 

- Eu queria fugir, você perdeu a memória, então achei que seria mais fácil para nós dois, mas eu não consigo e você nação me deixa, não é? - Mew sorri de leve ante de depositar um beijo na minha testa. - Talvez essa seja a minha oportunidade para estar com você sem omissões, posso te ajudar e te entender melhor. Eu prometo tentar ser melhor. 

Me agarro a seus braços, meu coração acelerado por suas palavras e gestos.

- Você vai ficar bem Gulf. - Seus lábios repousam em um dos meus olhos, seguindo para o meu nariz, tão singelo que quase não senti. 

- E se eu lembrar de mais coisas? E se você não conseguir lidar comigo? - O medo estava aqui, em algum lugar deslocado, mas estava. Ele não conseguiu lidar comigo antes, por que conseguiria agora? 

- Eu não sei, queria poder dizer que tudo vai dar certo entre nós, mas eu só posso te afirmar que farei o meu melhor para estar aqui para você sempre que precisar. 

- Talvez você tenha razão e o nosso relacionamento não fosse um dos mais saudáveis.  - Mew volta a se deitar e aproveito para enroscar meu braço a seu redor, embalado pelo cheiro de banho recém tomado. 

- Não era, mas como você me disse, quando tudo der errado, segure o meu coração também. - Fecho meus olhos sob o calor de seu corpo e toque. Estando aqui com ele me sentia confortável, o sentimento pesado aliviou, os outros ainda restavam em meu peito, mas Mew tornava tudo mais fácil.  

Pode ser Mew que não fosse saudável, mas você era o meu mundo. Eu ainda me sentia assim? 

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Where stories live. Discover now